Se…

Quantas e quantas vezes esta palavrinha de apenas duas letrinhas enveredou-se pelo meu caminho.

Ah! Se eu pudesse. Se eu porventura não dissesse. Não amasse. Não gostasse. Não tivesse nascido naquela mesma rua. Não tivesse me casado com aquela mesma mulher. E não tivesse escolhido esta profissão que abracei a tantos anos passados.

São tantos ses que até perdi a conta.

Por sorte minha estes mesmos ses não mudaram o meu destino.

Agora o tempo está cinzento. Nuvens ameaçadores encobrem o sorriso do sol. Tomara chova um cadinho. Durante a noite ou mesmo ao cair da tarde. Chovendo durante o dia incomoda aqueles que trabalham à luz do dia. Principalmente os trabalhadores braçais. Aqueles que recolhem o lixo da cidade. Ou até mesmo quem mora na roça. Dizem que vacas não se dão com barro grudento.

Daqui do alto, de onde escrevo, percebo a cidade acordando de seu sono madrugal. Poucas pessoas se veem pelas ruas. Ainda é cedo. Nesta segunda- feira de janeiro. Quase carnaval.

Se pudesse predizer o que seria de mim, nesta semana que tem começo, o que iria acontecer no decorrer do dia, talvez nem gostasse que isso acontecesse. Melhor seria ficar do jeito que está. Pois o futuro não me diz respeito. Melhor viver o presente. Que me foi dado de presente ao nascer.

Ah se eu pudesse ficar o dia inteiro apenas escrevendo, ditando o que minha imaginação dita, seria em verdade uma maravilha. Pena que a partir das oito o trabalho me espera. Ainda não estou aposentado. Da arte de escrever espero jamais.

Se eu pudesse empacar os ponteiros dos relógios, fazer com que eles estacionassem no tempo, tendo domínio sobre meus atos, talvez seria melhor ficar como está. Já que não posso decidir o que será melhor pra mim, deixo o tempo passar.

Se eu pudesse, e meu desejo se concretizasse, voltaria a ser criança. Da idade exata dos meus netinhos. Doce infância.

E seu pudesse ter meus pais novamente junto a mim, talvez tenha sido mais cuidadoso no trato com eles. Principalmente quando meu pai adoeceu. Como médico pouco pude fazer para atenuar-lhe o sofrimento.

E seu pudesse decidir sobre meu destino, mudar o curso dos anos, não cometeria tantos desenganos. Seria mais prudente, menos ansioso, mais paciencioso, mais condescendente.

E se eu pudesse prever o meu futuro, não mudaria nada. Pois o meu presente é tão rico em felicidade. Tenho a família que gostaria de ter. Tanto a que me gerou quanto aquela que ajudei a construir.

Se, tantos ses, nesta manhã cinzenta, pudesse ajudar o sol sorrir, confesso que o faria alegremente.

Pena que não posso mudar o curso do tempo. Anos se passaram. E nada pude fazer para aquietar minhalma.

E se, por acaso, pudesse mudar um cadinho de mim, não saberia dizer para onde iria. Talvez pelo mesmo caminho. Sem volta. Sem arrependimentos. Sem lamentos.

E se por acaso alguém pudesse ajudar a reconstruir o que sou, talvez não iria concordar com a mudança. Pois sou feliz como sou. Refém dos meus senões.

Da minha sensibilidade tamanha. Que só aumenta com a idade.

Se eu pudesse em nada mudaria a marcha do tempo. Pena que ele caminha tão rápido. E nem consigo vislumbrar o que vem depois.

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