Sonhos desfeitos

Nunca choveu tanto quanto naquele findo novembro.

O dia amanheceu escuro. Mais chuva a cair do lado de fora daquela casinha tosca.

Relâmpagos ecoavam no alto. Faíscas riscavam o céu naquela segunda-feira de novembro.

As ruas estavam vazias naquela hora madrugada. Nenhuma pessoa se podia ver caminhando pelas ruas ainda desertas.

Foi quando aquele menino, madrugão, deixou a casa na intenção de procurar trabalho.

Em casa as coisas não iam bem. O pai, desempregado, ainda por cima bebia. Talvez pela frustração de não conseguir sustentar a casa.

Na linha do horizonte uma nesga de sol mostrava-se timidamente. Quem sabe no decorrer do dia o sol conseguisse vencer a barreira de nuvens densas?

Foi neste ambiente sombrio que aquele menino, de nome Álvaro, conhecido pelo diminutivo, saiu de casa em busca de alguma ocupação.

Naquele lar desestruturado a vida não estava sendo fácil. O pai voltava a casa sempre trôpego. Com um cheiro de álcool a empestar o ambiente.

A mãe, pobre senhora, ainda por cima tinha de aturar tal companhia nefasta. Com medo de que o marido a agredisse. Como de outras vezes aconteceu.

Alvinho ganhou as ruas pensando em procurar emprego. Quem sabe naquele final de ano que se avizinhava algumas vagas temporárias se abrissem? Era a esperança que iluminava aquela cabecinha sempre pronta a ajudar.

Perambulando pelas ruas, sempre em busca de trabalho, o bom menino entrava e saía de lojas sempre com a esperança de ali conseguir emprego. Mas as repostas as suas pretensões eram sempre as mesmas: “passe depois, no momento não estamos precisando”.

Passou um dia. Uma semana inteira se viu ao longe.

Alvinho continuava sempre na esperança de conseguir trabalho. Em casa faltava de tudo. Inclusive calor humano.

Até que, naquela segunda-feira, quase ao final de novembro, assim que o menino entrou numa loja de brinquedos, parece que ali seria a concretização de seus sonhos.

O dono da loja, um senhor simpático, sorridente, acenou-lhe com uma possibilidade de fazer parte de sua turma.

Alvinho afinal conseguiu a tão sonhada ocupação.

Era sempre o primeiro a chegar à loja. Atendia a todos que o procuravam com o melhor sorriso no rosto.

Até que, num fim de tarde, aconteceu um imprevisto. Desapareceu das prateleiras um brinquedo de alto custo.

Foi debalde a procura. Ao final da tarde, daquele dia malogrado, nada foi encontrado.

Atribuíram a culpa do sumiço daquela mercadoria exatamente ao novato. O pobre Alvinho mais uma vez se viu no olho da rua.

Mais uma semana a ver navios. Em casa as coisas continuavam no desvario de sempre.

Faltava alegria naquela casa de periferia, faltava amor. Ali não havia carinho.

Mas o valente menino não desanimava.  Voltava à rua. Em busca de trabalho.

Enfim chegou o Natal. Naquela árvore montada na sala de visita por certo não estariam presentes. O pai de Alvinho foi preso por tráfico de drogas. A mãe, até certo ponto aliviada, ela sofria maus tratos, acabou se conformando com a desdita.

Alvinho passou a ser o provedor da casa. Mas como conseguir tal feito sem nenhuma possibilidade de emprego?

Naquela noite escura, chuvosa, era noite de Natal, o bom menino acordou cedo.

Voltou às ruas. Mais uma vez em busca de trabalho. E nada de conseguir trazer dinheiro pra casa.

Antes que o ano fechasse os olhos mais uma vez aquele menino dormiu pensando na vida. E que vida era aquela? Recheada de sonhos desfeitos…

 

Deixe uma resposta