Malfadado fim de ano

Como choveu a noite passada. Enxurradas desceram o morro. Barrancos despencaram. Famílias inteiras se viram ao desabrigo.

José, mais um desempregado que vive à margem da sociedade, acordou sem nenhuma perspectiva de colocação.

Há tempos aquele pai de família perambulava pelas ruas a procura de emprego. Levando a carteira de trabalho numa pasta surrada, a última vez que conseguiu trabalho foi a quase dez anos passados.

Mesmo assim pouco tempo durou-lhe a felicidade. De uma hora pra outra se viu no olho da rua. A empresa, alegando contensão de gastos demitiu metade dos empregados. E o infeliz José, sem estudos, sem formação adequada, foi um dos primeiros a engrossar a lista. Foram tempos difíceis aqueles. Que continuam até nos dias de hoje.

Naquela madrugada quente, depois de uma tempestade que destelhou a casa, um casebre dependurado no alto do morro, de repente a família do José foi obrigada, pela força das circunstâncias, a viver sob a tutela do estado.

Ainda bem que José era casado de pouco. Não tiveram filhos.

Caminhando, desolado por aquela viela estreita, José desceu a ladeira mais uma vez em busca de trabalho.

Lá embaixo, no calçadão da praia, podia-se ver as luzes do Natal acesas. Era um espetáculo grandioso. Pena que dentro do coração do José a mesma alegria não brotava.

Depois de perambular pelas ruas durante o dia inteiro José chegou ao abrigo onde o esperava a esposa. Mais uma vez sem perspectivas de trabalho.  Todas as portas se fechavam quando o pobre José chegava. Como ele inúmeros trabalhadores voltavam a casa desolados.

José mal dormiu aquela noite. Acordou em sobressalto. A esposa, uma mocinha morena, também acordou pensando no pior.

Era uma quinta-feira. Quase final de novembro. De hoje a pouco mais de um mês seria dia de Natal.

José, depois de uma noite mal dormida, mais uma vez saiu à caça de trabalho. Levava no bolso apenas alguns trocados. Tomou um cafezinho magro numa padaria. E tomou a lotação sempre lotada de desempregados.

Foi quando percebeu, num átimo, que uma mão boba passou pelo bolso da sua calça. Foi ela que o aliviou do seu celular, da carteira, e de todos os seus documentos.

Andando pelo centro da cidade o desditoso José foi preso durante uma batida policial. Dada à falta de documentos foi encaminhado a delegacia como contraventor.

E acabou amargando cadeia durante uma semana inteira.

Saiu ainda pior de quando entrou. Desiludido, sem chance de encontrar emprego, já que acabou com a ficha suja depois daquela prisão indevida.

Encontrou a esposa bastante preocupada com sua ausência. Tentou explicar onde passou a semana inteira.

Véspera de Natal as luzes da cidade piscavam frenéticas. José, e a esposa companheira, tiveram de dormir ao relento.

O ano finou. E nada mudou. Até hoje José anda pela cidade em busca de trabalho. Assim como ele milhões de brasileiros. Infelizes cidadãos que engrossam as estatísticas. E fazem parte de um enorme contingente. Que infelizmente aqui vivem. Neste país onde as diferenças de classe aviltam-nos os sentimentos. E nos envergonham de ser brasileiros.

 

Deixe uma resposta