Enxurradas de lembranças

A chuva tem feito estragos neste final de novembro.

Pessoas ao desabrigo, mortes, acidentes de trânsito tem enlutado famílias inteiras.

Em contrapartida a chuva tem feito a alegria do homem do campo. A pastaria enverdecida, a roça de milho crescendo, as vacas engordando, a produção leiteira aumentando, tudo tem contribuído para ver o sorriso estampado naquelas faces tostadas pelo sol do verão.

Da mesma forma que a chuva traz a alegria da boa gente da roça na cidade pode se transformar em tragédia. Hoje mesmo assisti, por um noticiário, que uma família inteira foi soterrada por uma avalanche de lama numa encosta em área de risco. Todos perderam a vida. Inclusive uma criança foi levada ao céu dos anjos prematuramente.

A chuva que tem caído incessantemente trouxe inclusive uma enxurrada de lembranças.

Eu era menino. Morava naquela rua que se deixa ver pelos fundos.

Ali não existia asfalto. Era uma rua de terra batida que depois foi coberta pelos paralelepípedos.

Quando a chuva caía eu brincava na enxurrada com barquinhos de papel. Logo eles se desmanchavam. Numa curva qualquer mal se via aqueles frágeis barquinhos feitos de papel de jornal.

E como eu amava molhar os pés naquela água barrenta. Ao chegar a casa era repreendido pela minha mãe. Que logo me levava ao banheiro para tomar um banho. Já que era chegada a hora de ir à escola. Não me importava com aquela doce reprimenda. Afinal era merecida. Mas o tempo foi passando, meus pais se despediram de mim sem a minha concordância.

De repente me vi adulto formado. Era hora de ganhar a vida por meus próprios méritos. Fiz-me médico. Passei oito longos anos longe da minha Lavras querida. Para aqui retornei há inexatos quarenta anos. Foram tempos de muito trabalho e noites insones.

Aos vinte e oito anos me casei. Tive dois filhos que hoje me presentearam com três netinhos lindos.

Agora sou avô. Prestes a completar setenta anos sou feliz a minha maneira. Apraz-me acordar cedo. Escrevo pela manhã. Passo a atender a partir das oito. Ainda longe da aposentadoria tenho esperança de continuar assim até mais anos enfim.

Tenho uma saúde de ferro. Espero que a ferrugem do tempo não me atinja tão prematuramente.

Durante a chuva de ontem de noite passou-me pela cabeça uma enxurrada de lembranças. Dos tempos em que fui criança. Tendo ao meu lado meus pais.

Agora a chuva cessou. O céu se mostra quase azul. O sol brilha no alto.

Mas mesmo com um dia claro, parcialmente nublado, não deixo nunca de pensar no passado.

As lembranças ainda me consomem. E espero jamais me olvidar daqueles que me são caros.

Afinal foram ele os grandes responsáveis pela vida que tenho levado.

No mês entrante acontece o Natal. Não mais vou ter meus pais por perto.

No entanto a vida continua. Por anos e anos mais.

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