Agora cedo

São pontualmente seis e trinta da manhã.

Como de sempre acordei a mesma hora. Não sei ficar na cama além do necessário. Como um padeiro madrugão, um retireiro que acorda ao cantar do galo, um trabalhador que tem de bater o ponto sempre a mesma hora, neste dia tão lindo, fresco, um tanto quanto nublado, conforme diz a meteorologia deve chover um bom bocado no decorrer do dia, tenho por hábito acordar sempre a mesma hora.

Permaneço no leito para pensar no que vou fazer no decorrer do dia.

Hoje, quarta-feira, nove de outubro, passo a atender a partir das oito horas. A seguir tomo o ônibus em direção a zona norte da cidade. Ali, naquela unidade de saúde pública, que recebe o nome pomposo de Ambulatório de Especialidades, pouco posso fazer pelos pacientes agendados para este dia. Acontece que a urologia é uma especialidade que requer aparelhos de alto custo. E, na maioria das vezes o SUS não disponibiliza estes tratamentos em tempo oportuno. E os pacientes têm de esperar até que, um dia, que não seja tarde demais, sejam aliviados das suas mazelas. Que não seja tarde demais.

Agora de manhã, bem cedo, é quando me encontro comigo mesmo. O prédio ainda está vazio. Nas ruas poucos passantes caminham em direção ao trabalho.

Agora cedo considero a melhor hora do dia. Por que ficar na cama? Assistindo a televisão. Já que nossos olhos já se abriram à luz do dia.

Considero a noite uma perda de tempo. Principalmente para quem já se tornou um ancião. E a ele restam apenas alguns anos a mais.

Já estou quase setentando. E, por esta razão aproveito as manhãs bem cedo. Para extravasar o que me vai por dentro. Escrever minhas memórias. Continuar mais um romance num outro computador defronte a este. Onde escrevo as minhas crônicas.

Agora cedo percebo o despertar da manhã. Uma nesguinha de sol se anuncia mais ao longe. Nem parece que vai chover. A serra da Bocaina se deixa ver a mão direita. Agora cedo. Antes das sete.

Como disse o prédio ainda está vazio. O azul do céu se mostra em certos pontos do horizonte infinito. E como a vida é linda! Principalmente quando se tem saúde.

Eu, de minha parte, cuido para que outros tenham a mesma saúde que me bafeja.

Na academia, onde frequento ao cair das tardes, dizem que nem pareço ter a idade que tenho. Mas o espelho mostra o contrário.

Agora cedo é quando escrevo o que o cotidiano me inspira. Considero as manhãs as melhores horas do dia.

O relógio mostra antes das sete. E ainda não terminei este meu escrito.

Agora cedo percebo o quanto as manhãs são risonhas. Um ventinho fresco entra pela minha janela. O sol ainda não incomoda. Mais tarde tenho de abaixar as persianas.

A melhor hora do dia é quando estou entregue a inspiração que me domina. A partir das oito mudo meu metier. Passo a atender a quem me procura.

Agora cedo, são precisamente seis e cinquenta minutos, acabei de ultimar este texto de agora cedo.

Agora cedo concedo a mim mesmo o prazer de procurar, na internet, as notícias do dia. Sei que a maioria delas não são alvissareiras.

No entanto, agora cedo, já que não posso mudar o status quo, não consigo mudar a mim mesmo. Vou continuar assim até quando um dia deixar de viver.

Que não seja agora cedo.

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