Imagine a cara do Zé Tristeza

Choveu um bom bocado durante a noite de ontem.

Rajadas de vento zuniam do lado de fora da janela. De repente o céu se fez escuro embora já fosse noite. Despencou uma aguaceira danada. Fazia calor. Um ar abafado fazia todos suarem.

Zé acordou depois de uma seca prolongada. A pastaria ressequida era um prato cheio a queimadas. Como a terra precisava de chuvas. As últimas delas caíram no derradeiro mês. Mas foram umas chuvinhas que mal deram para molhar a terra. Ainda resta poeira na rocinha do sempre alegre Zé.

Depois daquela chuva que despencou na noite de ontem tudo se fez verde como as asas das maritacas. As jabuticabas amadureceram. Ficaram tão doces quanto o doce de leite que a avozinha do Zé fazia.

Era uma terça-feira do mês de outubro. Um dia lindo amanheceu. O sorriso do Zé Tristeza se fez presente. Graças aquelas águas que caíram durante a noite.

Era hora de acordar. Bem cedo. Antes que as cigarras cantassem Zé se pôs de pé.

Vestiu uma roupa dependurada num cabide na cabeceira da cama. Ela estava suja. Carecendo de ser lavada.

Devido à falta de chuva a mina secou. O riacho mostrou-se sedento. A caixa d’água que servia a casa do Zé de repente esvaziou-se.

Aquela chuva benvinda foi saudada com alegria. Como a gente da roça aprecia a chuva que cai no tempo certo. Outubro é hora de arar a terra. Nela semear sementinhas de milho. E ver os pezinhos crescerem em direção ao alto.

Naquela manhã de outubro, depois daquela chuvinha mansa, depois fez-se sol, o céu tintou-se de azul, Zé saltou da cama alegre como nunca se viu antes.

Disposto a encarar um novo dia. As vacas já o esperavam em volta do curral. Famintas como sempre. Canarinhos da terra ciscavam o esterco do curral. Bezerrinhos saltitantes eram vistos aos montes. Era um cenário digno de ser imortalizado num quadro de um pintor famoso.

Zé, apelidado de Tristeza por um vizinho de cerca, que não se dava com ele, nem sempre era alegre. De fato. Naqueles tempos de vacas magras, quando não chovia a contento, Zé nem sempre se mostrava alegre. Uma melancolia profunda se podia ver em sua cara sulcada pelos anos.

Naquela primavera Zé completava sessenta e nove anos. No entanto parecia mais.

O trabalho nunca meteu medo no estoico Zé. Acostumado ao serviço pesado, mãos caludas, tez tostada pelo sol, Zé, naquela altura de sua vidinha descomplicada amava os bichos. Tinha por eles verdadeira adoração.

Jamais se afastou de sua rocinha encantada. Quando tinha de ir a cidade fazia contrariado. Era um bate e volta de curta duração.

Zé Tristeza vivia só. A solidão não o incomodava. Ao revés. Naquelas noites enluaradas contava as estrelas. E tinha pela lua verdadeira paixão.

Naquela manhã de outubro, depois de uma chuvinha mansa, Zé acordou sonhando com a chuva. E como ela era esperada. Ansiada, exaustivamente aguardada como a vaca espera a parturição.

Foi nesta manhã, quando ele acordou, feliz da vida pela presença da chuva, aqui na cidade, acordando a mesma hora de sempre, veio-me ao pensamento a alegria do amigo Zé.

Imagino como ele deve estar alegre. Com o semblante desanuviado, depois daquela chuvinha mansa, que despencou na noite de ontem.

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