Tia Pressa e a prima Paciência

Bem sei que são duas virtudes que nos acompanham desde o nascimento.

A pressa e a paciência são sentimentos inerentes a nós mesmos. Embora não se consiga, até no presente momento, controlar um e outro. Cada um nasce com a dose certa de ansiedade e sofreguidão. E, com o passar do tempo, estes sentimentos acabam por tomar conta da gente até o final dos dias. Apesar de tudo fazermos para amainar este estado de espírito. Mas eles acabam com a gente. Sendo levados ao caixão.

Cada vez mais, devido aos tempos hodiernos, a ansiedade toma conta da gente.

Como tenho assistido, durante os atendimentos em unidades de saúde pública, pessoas, com mãos trêmulas, suplicarem por receitas de tarja preta. São os ansiolíticos e antidressivos os mais requisitados. E, quando faltam aquelas folhas de receituários as pessoas se desarvoram. E saem da minha sala com a expressão inequívoca de desilusão.

Noutro dia, creio que na semana passada, passaram pela minha salinha acanhada duas senhorinhas.

Eram pessoinhas vindas da roça. A primeira com uma expressão tristonha. Já a segunda, creio que a mais idosa, mostrava na face crispada pelos anos um sinal evidente de alegria contagiante.

Quem começou a prosa foi a mais falante.

“Doutor. Minha prima padece de ansiedade. Não consegue dormir. Passa a noite inteira de olhos abertos. Acorda com uma expressão de cansaço. O que o senhor pode fazer para nos ajudar”?

Pedi que ambas esperassem a minha receita. Enquanto isso, a mais calada, a que não conseguia conciliar o sono, acabou dormindo recostada à cadeira. Foi preciso chamar a enfermeira para que ela me ajudasse a acordar a senhora.

Prescrevi uma receita de ansiolítico a primeira dama. Foi quando ela, já de olhos abertos, me olhou, com olhos rasos d’água, e me agradeceu o atendimento.

A segunda, a mais loquaz, explicou que sua prima não dormia desde a última semana. E passava a noite inteira contando carneiros. Acordava berrando como uma vaca com saudade do seu bezerro.

A consulta das duas primas pouco durou. Ambas deixaram a minha sala modesta com olhos recheados de gratidão.

Na semana entrante ambas retornaram a consulta. Já com a expressão desanuviada. Por certo o medicamento foi acertado. E a mais ansiosa conseguiu dormir.

Já a outra, a mais calminha, foi quem me agradeceu, trazendo-me uma dúzia de ovos caipiras e algumas laranjas da ilha. Já que manifestei a elas o meu agrado por aquelas laranjas docinhas.

Desde então ficamos amigos. De vez em quando elas aparecem no meu consultório. Na intenção de renovar as receitas.

A prima Paciência sempre vem com algum regalo.

Já a outra prima, a tal apressada, mal tem tempo de permanecer na minha sala.

Assim caminha a humanidade.

A tal pressa nos tem consumido. Haja paciência. Para tentar domesticar a ansiedade.

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