Meu refúgio

Por vezes sinto uma vontade imperiosa de me isolar do mundo.

Ruas lotadas, o burburinho incessante do dia a dia, a azáfama do cotidiano, fazem-me mal a alma.

Quase sempre não encontro nas cidades o que procuro. Bem sei que nela é onde o trabalho me consome. Infelizmente todos temos a necessidade imperiosa de ganhar dinheiro. Sem o vil metal não se vive.

Aprecio a vida que escolhi. Ser médico ainda é o caminho que elegi pra mim há tantos anos atrás. Afinal são quarenta e cinco anos de labuta constante. Agora consegui atingir o ponto de equilíbrio. Trabalho menos. Penso mais. Faço apenas o que me dá prazer.

Aposentar-me nunca me passou pelas ideias. Acredito que nós, médicos, somos aposentados pelos pacientes. Quando eles não mais acreditam em nós. Mesmo assim persisto. Não desisto. E aqui permanecerei por muitos anos mais. Tenho saúde a dar com sobra. Tirocínio é o que não me falta. Discernimento sobre o que é bom pra mim, ou para os pacientes, tomara não me falte nunca. Até quando a vida me contemplar com seu sorriso magnânimo.

Hoje tenho quase setenta anos. No próximo dezembro setentarei.

Todas as manhãs, quase madrugada, faça chuva o ilumine o sol, aqui estarei a retratar o cotidiano tão rico que se mostra aos meus olhos observadores.

Hoje chove uma chuvinha miúda. O céu se mostra cinzento. Imagino o quanto deve estar feliz o homem do campo. O cheiro de terra molhada adoça suas narinas.

De vez em quando preciso me refugiar em algum lugar. Sentir o murmúrio do silêncio. O vazio do nada.

Deixar a confusão da cidade. Não precisar enfrentar o marasmo do trânsito. Nem mesmo sentir a intranquilidade que grassa neste país continental. Onde tantos se deprimem. O ficam ansiosos pela falta de perspectivas de trabalho.

Um dos meus refúgios é uma rocinha que tanto amo. Ali passo horas perdidas entre animais. Ouvindo o grasnar frenéticos das maritacas em busca das jabuticabas maduras. Os canarinhos da terra ciscando o esterco do curral. E até mesmo a vaca mugindo de saudade do seu bezerro. Quando ela se despede depois da ordenha.

Outro dos meus refúgios e esta sala quando o prédio esta vazio. Daqui avisto ao longe. Parte do meu passado. Antes das oito fecho a porta. É quando deixo a inspiração me assaltar. Ligo o computador. Tomo meu cafezinho expresso. Em alguns minutos apenas nasce outro texto. Nenhuma vivalma se mostra no corredor.

Este refúgio me faz tão bem. Sinto-me aliviado quando uma crônica termina. No momento outro computador fica em compasso de espera. Ali outro romance espera a hora certa para continuar seu enredo. Rakel, uma história que versa sobre uma moradora de rua, não vejo a hora de terminar.

Confesso que de vez em quando preciso me refugiar. Tendo por companhia apenas a inspiração e este computador. A partir das oito a vida continua. O médico que ainda mora em mim toma conta de minha outra face.

Refúgios, lugares onde possa ficar só, são fundamentais para continuar a viver.

Nem assim consigo viver sem sofrer. Afinal o sofrimento faz parte da vida. Enquanto ela existir.

 

 

Deixe uma resposta