Chove lá fora

A primavera começou mostrando o sorriso das flores.

Aquele ar ressequido do inverno cedeu lugar a uma chuvinha cinzenta. Hoje chove lá fora. Acordei bem cedo. O relógio mostrava antes das seis.

Do lado de fora da minha janela percebi o ruído da chuva. A madrugada estava escura.

Felizmente, pensei eu. Agora as narinas se desentopem. O ar fica mais respirável. Adeus às doenças respiratórias.

Nestes tempos de secura intensa não havia como respirar a contento. Acordava todos os dias com a respiração claudicante.

Hoje chove lá fora. Ao revés, por dentro de minhalma faz-se a luz. Antes não apreciava dias nublados. Já hoje, passada a mocidade, ainda longe da senilitude, tanto faz. Não é a intensidade da luminosidade que me faz feliz. Meu estado de espirito independe da luminosidade.

Nos dias de agora acordo sempre bem disposto. Principalmente quando a chuva cai. Despetalando-se pouco a pouco. Tintando o céu de cinza. Mal se vê a luz do sol.

Chove lá fora. Aqui dentro de minhalma o sol sorri. É começo de primavera. Imagino eu, perdido em meus devaneios, como deve estar o homem do campo. Ao ver a chuva que cai.

A pastaria antes ressequida se tinge de um verde pasmacento. As vacas, de costelas a mostra, engordam a olhos vistos. A cana cresce. O capim se torna viçoso. Os riachos transbordam. As minas d’água se refazem.

Do lado de fora da minha janela a chuva cai mansamente. E eu, olhando pelo vidro da minha janela, percebo o quanto a chuva faz bem à natureza. O entorno se mostra cinzento. Mal se vê o casario baixo.

Aqui, no meu sétimo andar, tenho de acender as luzes. Levantar as persianas. Antes não seria possível deixá-las entreabertas. A luz do sol entraria janela adentro. Ofuscando-me o discernimento.

Hoje a chuva cai. Sinto-me alegre como uma criança sorrindo.

Lembro-me das brincadeiras de criança. Caminhando pelas enxurradas. Que desciam velozmente. E por ela fazia navegar barquinhos de papel. Que logo naufragavam. Como por vezes  acontece com os sonhos da gente.

Do lado de fora da minha janela a chuva cai mansamente. E eu não me canso de observar a chuva que cai.

Anos fazem, quando menino, quando a chuva caía ficava impedido de sair a rua. Mesmo assim driblava a vigilância da minha mãe e saía assim mesmo.

Retornava a casa ensopado. Nada que umas palmadas não conseguissem consertar o mal feito.

La fora a chuva cai. Aqui dentro o sol predomina. Não importa se o dia fica nublado. O que conta é a felicidade do homem da roça. Que pode arar a terra. Semear sementes. E, mais tarde, colher o fruto do seu plantio.

Do lado de fora da minha janela percebo os pingos da chuva. Mal se vê o céu. Ele se esconde entre as nuvens cinzentas. Parece que a chuva vai continuar no decorrer do dia.

Lá fora a chuva cai. Aqui dentro o sol predomina.

Deixe uma resposta