Hora de estar comigo mesmo

Nem sempre a companhia de terceiros é agradável ao nosso bem estar.

Por vezes a multidão incomoda. A azáfama do cotidiano me faz pensar em me isolar do mundo. Nada como o bucolismo do campo. A paz de um lugar ermo. Tendo por companhia nada mais que o silêncio. A algaravia dos passarinhos. Os canarinhos da terra ciscando o esterco do curral.

Existem horas que o silêncio me faz pensar.

Passo o dia inteiro ouvindo os queixumes dos pacientes. Tentando minorar-lhes o sofrimento. Apesar de na maioria das vezes não ser capaz.

Durmo cedo. Acordo ao despertar do dia. Meu sono é frugal. Deixo minha casa quando a cidade ainda dorme. Naquela hora madrugada as ruas ainda estão vazias. Poucos passantes se deixam ver em direção ao trabalho.

O dia de hoje, começo de primavera, o sol brilha forte. A temperatura se mostra amena. Um ventinho buliçoso assovia mansamente. No decorrer do dia deve esquentar.

A melhor hora do dia é esta que me contempla. Antes das sete. Bem antes.

É quando me dirijo ao consultório. O prédio ainda está vazio. Nem mesmo a presença do porteiro se mostra lá em baixo. Aqui, no meu sétimo andar, as salas ainda não se abriram.

Logo mais, a partir das oito, pessoas se apresentam a consultas. Até lá me reservo o direito de estar comigo mesmo. Como aprecio a solidão.

É quando ponho os pensamentos em dia. Olho o saldo bancário. Quase sempre em baixa. E, a partir das oito horas deixo a vida continuar.

Nesta hora temprana nenhuma alma viva ou morta se intromete em meus devaneios. Do lado de fora da minha sala reina o silêncio. Deixo meus pensamentos vagarem.

É quando a inspiração me assalta sem armas em punho. É quando penso no quanto a vida pode ser descomplicada. Só depende de nós. E mais nada.

Agora são quase sete horas da manhã. E ainda não terminei a crônica recém-iniciada.

Nesta manhã de primavera respiro o ar da madrugada. O dia amanheceu sorrindo. As flores se abrindo. As crianças acordando. Sob a vigilância estreita das mães.

Meus netos ainda devem estar dormindo. E eu aqui acordado. Pensando no quanto a vida deve ser cultuada. Testemunha ocular do quanto sou grato a uma força superior.

Horas existem que a gente precisa estar com nós mesmos. A hora é agora. Nestes breves minutos reservados aos meus pensamentos. Que avoam além do tempo.

A partir da oito começo mais um dia de trabalho. Não tão intenso como foi em épocas passadas.

Logo mais vou estar caminhando pelas ruas. Meu destino será uma unidade de saúde. Onde pessoas, intranquilas, exigem de mim o que não posso dar. Saúde, bem estar, tranquilidade. Oxalá pudesse atenuar-lhes o sofrimento. E não precisasse prescrever tantas receitas de tarja preta. Ou tentar dissuadi-las do estado depressivo que as consome.

Horas existem que precisamos estar conosco mesmos. Pra mim a hora é esta. Quando a solidão se faz presente. O silêncio predomina. E o desejo de extrapolar meus sentimentos, de colocar pra fora meus anseios, imperam neste exato momento. Sem ressentimentos maiores me despeço. Desejando a todos vocês, amigos, simpatizantes, que tenham um excelente dia. Como tenho certeza que vai ser o meu.

 

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