O dia em que o velho homem entupiu

Quantos problemas decorrem com o passar da idade.

A visão claudica. Cataratas embaçam-nos a visão. As pernas se tornam trôpegas. Quase se arrastando pelo chão. O velho sofre a mercê da sua idade. Por onde anda a mocidade? Perguntou-me um dia um ancião.

Creio ter sido no ano passado o acontecido.

Um senhor, já bem caminhado em anos, procurou-me no consultório.

Ele veio trazido por uma neta. Uma linda moça mostrava um imenso carinho pelo avô.

Ela pediu a minha secretária, educadamente, que gostaria de conversar comigo antes que o avô adentrasse a consulta.

Assentou-se à cadeira defronte a minha. E explicou-me o motivo da sua intromissão.

Seu Pedro, já com seus quase oitenta anos, ouvia pouco. E era gago ainda por cima. A razão de estarem ali era a dificuldade em verter urina. O pobre ancião mal dormia a noite. Acordava de hora em hora para urinar. O que o fazia com enormes dificuldades. E o velho urinol transbordava pelas bordas. Deixando atrás dele um cheiro nauseabundo de urina vencida.

Depois de escutar atenciosamente as explicações da linda moça pedi que ela permanecesse na sala durante a consulta de seu avô. Seria mais fácil o entendimento. Já que ele, além de surdo e claudicante na fala, com certeza não seria fácil entender os seus queixumes.

Seu Pedro assentou-se, meio sem jeito, na outra cadeira defronte a minha.

Sua neta servia de interlocutora. Já que ele mal conseguia se fazer entender.

Comecei as perguntas indagando como ele urinava. Foi quando dele partiu esta resposta quase ininteligível: “eu? Mais ou menos. Pior que menos”.

Sua neta tentou ajudar na condução da conversa: “querido avozinho. O senhor urina com facilidade? Ou demora a começar a urinar”?

“Que nada”. Continuou ele. “A urina sai com facilidade. Não demoro nem uma hora para começar a urinar”.

A garota insistiu: “Mas, como minha mãe disse, o senhor passa mais de duas horas no banheiro. E sai de lá com a calça do pijama molhado”.

Não precisa dizer que Seu Pedro, desconfiado e arredio, negou todas as ponderações da neta querida.

A seguir levei o consultante à sala de exame.

Pedi que a neta esperasse. Para não causar constrangimento ao seu avô.

Como ele andava com extremas dificuldades pedi a minha secretária enfermeira que me ajudasse no atendimento.

Foi preciso upa para colocá-lo naquela mesa estreita da sala de exame.

Zaninha, pacienciosa e competente, ajudou-o a tirar a roupa. Sob sonoros protestos do consultante.

A princípio notei um abaulamento em sua bexiga. Ela estava repleta de urina.

Introduzi uma sonda fina pela uretra. Foi quando vi sair mais de dois litros de urina cristalina. Enchi dois baldes com aquele líquido amarelo ouro vencido. Foi com enorme alívio que Seu Pedro demonstrou em seu rosto já bem sulcado pelos anos.

Deixando-o entregue aos cuidados da minha enfermeira voltei à sala onde estou agora. Sua neta esperava ansiosamente o resultado do exame.

Expliquei a ela como estava a próstata do seu avô. Aumentada de volume e de consistência macia. Não havia sinais que indicassem se tratar de uma patologia maligna. E que seu Pedro, assim que fizesse os exames pré-operatórios, continuasse a usar aquela mesma sonda.

Foi quando Seu Pedro, com o semblante desanuviado adentrou a nossa companhia. Ele sorria de contente. Já com a bexiga vazia.

Não foi preciso muita conversa para explicar a ele o diagnóstico. Creio que ele entendeu o que foi feito.

Antes da sua despedida tornamo-nos velhos amigos. Foi quando ele escutei: “doutor. Como é triste ficar velho. Escutamos pouco. Enxergamos muito menos. E ainda por cima, não bastasse tanta desdita, acabamos entupidos.”

É a pura verdade Seu Pedro. O velho paga um preço alto ao final da vida.

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