Céu encardido

Para aquele senhor, nascido e criado na roça, chuva era tudo com que sonhava.

Estamos em pleno setembro. Sol a pino. Céu azul. Nenhuminha nuvem no alto.

Antenor, acostumado ao trabalho duro, mãos caludas, tez tostada pelo sol, aos setenta anos parecia muito mais.

Rugas prematuras sulcavam-lhe a face. Uma calva desde os vinte anos já lhe mostrava o destino de careca como uma bola de bilhar. Magricela, costelas a mostra, Antenor sempre foi magro desde menino. Seu peso nunca ultrapassou cinquenta quilogramas. Mas como tinha saúde o já idoso Antenor.

Quando palreava com ele me fartava de escutar seu linguajar singelo. Pra ele vosmecê, trem bão, eram coisiquinhas que ele digeria pelos dentes em falta desde quando tinha doze anos.  Os dentes da frente foram arrancados a boticão por um prático da odontologia. E como doeu a extração.

Num dia de inverno, com temperatura de verão, fui fazer uma visitinha de cortesia ao meu amigo de cerca. Antenor e eu dividíamos as terras. A dele era bem cuidada. A vacada de pelo luzidio dava gosto de ver o mojo. Enquanto as minhas…

Naquele dia de sol escaldante a temperatura subia às alturas. Fazia um calor dos infernos.

Antenor já havia se levantado fazia tempo. Antes das cinco da manhã já estava com a mão na massa espremendo as tetas das vacas em final de ordenha.

O tempo mostrava mudanças naquele sábado distante. Nuvens cinzentas entupiam a boca do sol. Parecia que iria chover. Tomara, sonhava o velho Antenor.

Assim que cheguei ao seu palmo de chão Antenor me recebeu com um alegre “bom dia”. Retribui ao seu cumprimento com outro sonoro bom dia.

Trocamos uma dúzia de palavras: “Como está o tempo? Parece que vai chover no decorrer do dia”.

Despedi-me do velho Antenor, pois tinha de voltar à cidade. Era um sábado. Não sei precisar a data. Talvez fosse uma semana antes da que se mostra agora.

Ainda me lembro do semblante carregado do velho Antenor. Por certo ele estava preocupado com a falta de chuva. Afinal no mês entrante, outubro, seria a época certa de arar a terra, nela inserir sementinhas de milho, e esperar, pacienciosamente, o tempo certo para a colheita.

Na semana seguinte voltei à roça do Antenor. Encontrei-o com o semblante anuviado. O céu estava ainda azul. Uma ou outra nuvem se mostrava. Mas nada que indicasse que iria chover.

Mais uma vez apeei do meu cavalo.

Antenor me convidou para um café feito naquela hora. As chamas do fogão a lenha ainda crepitavam.

Estava escuro. Afinal ainda era antes das seis da manhã.

Foi quando dele ouvi mais uma prosa que me fez pensar na vida.

“Quer saber, dotô. Enquanto vocês, da cidade, não ligam para a chuva, aqui na roça ela é fundamental para verdejar os pastos. Sem ela não tem colheita. Os pés de milho não granam. E as vacas passam fome”.

Já era quase oito da manhã quando tive de voltar à cidade. Não sem antes desejar ao amigo Antenor que a chuva voltasse logo.

Ao sair da sua casa percebi umas nuvens escuras aparecerem de repente. Era um céu encardido que se formou a minha partida. Desde então voltou a chover. Não me esqueço da cara do amigo Antenor. Ele sorria de bochecha a bochecha. Exibindo sua banguelice risonha. Era uma cena que nunca me esquecerei. Sob aquele céu encardido deveras chorei.

 

 

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