O que seria de mim sem eles?

Viver não é simplesmente respirar, o coração bater, dormir, acordar, sentir o hálito fresco do vento que assopra na primavera, que antecede o verão, sentir o coração pulsar ao ver aquela mulher a quem oferecemos amor, alardear aos quatro ventos o quando amamos a vida, embora ela por vezes seja sofrida, e, tantas coisas mais, que, caso ficasse aqui enumerando tudo que para mim significa viver, ficaria a vida inteira tentando definir a vida, melhor senti-la, do que ficar a palrear como uma algaravia de pardais, debruçados naquela palmeira que o fogo lambeu.

O que seria de mim caso não escrevesse todas as manhãs. Esperando os pacientes aparecerem? O que seria de mim sem a inspiração que me consome as entranhas, retratando o cotidiano lindo que amanhece todos os dias?

O que seria de mim sem o sol que brilha intensamente nesta manhã de setembro, dezessete deste mês, neste sétimo andar com uma vista linda do meu passado?

O que seria do meu eu sem a família que me acompanha. Não a que sucede a primeira. E sim a outra que a precedeu?

O que seria de mim sem os filhos que ajudei a conceber. Sem os netos que já tenho. Sem os outros que ainda terei?

O que seria de mim sem a saúde que Deus me deu. Sem as caminhadas que ainda percorrerei. Sem a atividade física que me faz tanto bem.

O que seria de mim sem a vontade imperiosa de viver. Hoje estou quase setenta. Quantos anos mais viverei?

Mais uma vez pergunto: o queria de mim sem o amparo dos meus familiares. Seria uma ilha perdida no meio do oceano. Isolada do resto do mundo. A mercê da solidão que tanto me consome.

O que seria de mim não fosse a vontade imensa de viver. Não de sofrer. Como um dia percebi, num leito de hospital, um doente a espera da hora final.

Ontem, já noite, antes de dormir, tive meus três netos abraçados junto a mim.

O mais velho cavalgava-me o pescoço. O do meio enlaçava-me as pernas. O mais jovenzinho sorria da minha desgraça.

O que seria de mim sem as suas presenças alegres e sorridentes. Apenas mais um velho a espera da hora de se despedir da vida. Esta iguaria que nos foi ofertada por uma força superior.

O que seria de mim sem a vontade de ainda poder oferecer saúde a quem me procura. Embora saiba das limitações da medicina.

O que vai ser de mim quando não mais puder observar a chuva que cai, o sorriso do sol, o murmúrio do vento balouçando-me os cabelos que me restam.

O que vai ser de mim no exato momento quando estiver sem a capacidade de observar o entorno. Sem a visão que tanto me faz falta. Sem as pernas andejas que andam por elas mesmas. Sem o cérebro que ainda comanda o corpo inteiro.

O que vai ser de mim quando não mais puder amar. E me tornar uma folha morta despejada da árvore mãe.

O que será de mim quando não mais puder colher as flores do meu jardim. As mesmas que um dia semeei. E se tornaram flores numa manhã de primavera.

O que será de mim no instante ingrato que me for privado de sentir na pele o abraço dos meus netos. Aqueles que fazem estripulias com seu avô. Como ontem aconteceu.

Por fim indago: o que vai ser de mim de hoje a alguns anos. Se estarei aqui. Ou se já não mais estarei fazendo parte deste mundo.

Não importa. O que conta é que estou aqui. Ainda lúcido. Forte o bastante para amparar meus netos. Já que meus filhos não precisam mais de mim.

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