Zé da Lia e a festa de formatura

Após quase uma vida inteira de peleja Zé viu chegado o grande dia.

Vamos ao começo da história.

Zezinho nasceu na roça. Ali estudou até os dez anos.

No entanto queria ir mais longe. A escolinha rural, aquela que ficava pertinho da porteira, acabou se transformando em escombros. Mudaram-na pra cidade.

Tristes lembranças.

Com que satisfação Zezinho acordava cedinho. Não sem antes tomar um leite quentinho ao pé da vaca. Comia uma broa de milho que ficava na trempe do fogão a lenha. Ali mesmo um bule de café fumegava. E ia, de merendeira as costas, depois de subir um morro empinado, assistir a primeira aula que começava pontualmente antes das sete.

Aritmética, língua portuguesa, ciências e geografia faziam parte das matérias naquele ano de dois mil e antigamente.

Pena que tudo que é bom pouco dura.

Aos quinze anos Zezinho teve de se mudar pra cidade. Gostaria de continuar os estudos. Queria ser engenheiro agrônomo. Na intenção de voltar à roça. E continuar a lida do pai.

Naquela cidade de porte médio existia uma linda universidade. A princípio a chamavam Esal. Mas, por um capricho do destino, depois que a tal faculdade espichou, tornou-se eclética, mudou de nome. Passou a se chamar Ufla. Uma das melhores do país.

Zezinho, depois de se preparar dia e noite, estudar com afinco, foi aprovado no vestibular. Era um concurso concorrido. Candidatos do país inteiro, inclusive do exterior, disputavam febrilmente as vagas. Apenas no segundo ano Zezinho foi aceito na universidade.

Sofreu trotes os quais ainda se lembra da vergonha que passou. Ficava nas esquinas da cidade com a cara pintada. Vestido sumariamente. E tinha de pedir moedinhas aos motoristas. Muitos passavam por ele de cara amarrada. E mal tinham tempo de parar.

Foram cinco anos inteiros de um estudar constante. Morava numa república pertinho da universidade.

Sempre com a grana curta Zezinho, cuja mãe se chamava Lia, enfim viu chegada a hora tão esperada da formatura. Foi uma festa de arromba.

Gente, vestida a rigor, se amontoava naquele espaço luxuoso. Era uma fila enorme. E como fazia frio naquele final de agosto.

Os pais de Zezinho vieram da roça numa vã alugada. Junto a eles a parentada mais próxima. Cada convite era disputado a peso de ouro.

A mãe, dona Lia, desacostumada a festanças como aquela, passou mal durante a espera prolongada. E teve de ser socorrida num ambulatório próximo. Zezinho teve de esperar junto dela.

Só pelas voltas da madrugada a família do formando conseguiu adentrar ao local da festa.

Uma música ensurdecedora mal permitia escutar a balbúrdia. A mesa a eles destinada estava ocupada por outras pessoas. Ficaram de pé mesmo. Sem poder degustar os petiscos servidos por garçons que iam e voltavam naquela azáfama constante.

Não ficou barato a importância paga durante os cinco anos de graduação. Zezinho gastou o equivalente a uma boiada inteira.

Antes que a noite se transformasse em manhã acabou a festa para a família de Zezinho.

Todos saíram antes das quatro e meia. Fazia um frio de enregelar pinguins.

A vã que trouxe a família da roça estava com os pneus furados. E não lhes restaram alternativa senão voltar a pé.

Zezinho mal aproveitou a festança. Tomou algumas bebidas que lhe caíram mal no estômago. Vomitou tudo ali mesmo. No vestido de uma colega.

Já era madrugada alta quando chegaram à roça. A festa acabou antes da hora.

A seguir despencou uma aguaceira danada.

Na manhã seguinte, ainda sob os efeitos do álcool, Zezinho se lembrou, sem muitas saudades, daquela festa de formatura.

Até hoje Zezinho não conseguiu emprego. Voltou à roça, com o diploma na mão.

E ele jaz, dependurado a um quadro. Zezinho, mesmo formado, continua a ver navios. Mais um, neste país onde se formam profissionais, mas poucos deles conseguem viver segundo o caminho que elegeram.

 

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