Reflexões ao sabor da idade

Um dia nasci. Quantos anos fazem.

Foi naquele ano de dois mil novecentos e quarenta e nove.

Contando os anos, salvo dos desenganos, foi a quase setenta anos que descobri o mundo pela primeira vez.

Muita coisa mudou. De criança, deixando o recém-nato de lado, fui crescendo, desenvolvendo-me, até atingir a fase onde agora estou.

Antes, menino, não me preocupava com o futuro. Só pensava em brincadeiras. Em curtir aqueles anos bons. Ao lado dos meus pais.

Ainda me lembro do meu patinete. Quantos tombos dele levei. Mas levantei-me sozinho. Chorei. Fiquei de castigo por ter quebrado uma jarra de flores. Mas logo minha querida mãe me perdoou. Não sem antes me repreender. Foi uma dura reprimenda. Penso que ela valeu por toda uma vida. Pois, que eu me lembre, sempre que vejo uma jarra de flores dela me esquivo. E, hoje, passados tantos anos, ao ver meus netinhos se aproximaram de alguma coisa frágil, tento afastá-los do perigo. E eles me olham como se soubessem que seu avô já passou por alguma coisa semelhante. Doce infância. Que hoje dela só restam lembranças. De um passado que não volta mais. Como não tenho a capacidade de retroceder no tempo só me resta lembrar do quanto foram bons aqueles verdes anos de minha meninice peralta.

Ontem meu segundo neto completou seu primeiro aninho. Gael, artioso como eu era, esbaldou-se em sua festinha colorida de balões multicores. Foi uma linda viagem pelo mundo. O tema de sua festa de um aninho.

Voltando atrás, nos tempos pretéritos, quando ainda estudava naquela mesma escola onde aprende as primeiras letras meu neto Theo, ainda nem de longe pensava no que fazer da vida.

Confesso que só mais tarde decidi por qual caminho trilhar. Não tive influências da minha família. Pois eu, o primeiro neto de meu avô Rodartino, enveredei-me pela medicina. Foi por vontade própria. E creio ter acertado neste caminho.

Hoje conto com quase quarenta e cinco anos de formado. No ano vindouro estaremos reunidos em algum lugar. Muitos colegas já partiram. E eu, quantos anos mais me restam?

Não me preocupo com o que vem pela frente. Sou feliz, mesmo estando mais velho de quando deixei a escola de medicina.

As preocupações são outras.

Já conquistei quase tudo que sonhei.

Antes, com o diploma na mão, especializado em urologia, quando aqui cheguei vindo da Espanha, trabalhava noite e dia.

Eram plantões intermináveis. Passava metade do dia no centro cirúrgico.

Já hoje, filhos criados, emancipados, já não mais dependem de mim.

Ainda trabalho moderadamente. As ambições são outras.

Hoje, ainda não aposentado, o trabalho não me intimida mais.

O segredo da felicidade aprendi de tempos pra cá.

Faça apenas o que lhe dá prazer. Deixe as contrariedades, inevitáveis, guardadas num baú fechado. E esqueça onde guardou a chave.

Brinque com seus netos. Cuide deles quando precisarem. Mas não se esqueça nunca das suas próprias necessidades. Lembre-se de que você tem uma família que pode precisar de seu ombro amigo. E que seu próximo pode precisar de você.

Hoje não sou mais menino. Envelheci. Em absoluto não penso nos anos. Muito menos nos desenganos. Sou feliz a minha maneira. Ainda capaz de fazer tudo que fazia dantes. Melhor ainda. Creio eu.

Agora, nesta fase da minha vida, com a saúde borbulhando dentro de mim, espero continuar assim muitos anos mais. O mesmo desejo a vocês. Amigos, estranhos, parentes, simpatizantes ou não.

Que estas reflexões se concretizem. Antes que eu parta definitivamente. Para algum lugar. Que seja além das nuvens. Muito além do céu. Onde pessoas queridas repousam. Nesta eternidade desconhecida. Pra onde todos iremos. Mais cedo ou mais tarde.

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