Olhando daqui de cima

Sempre que aqui chego, via de regra antes das sete, desfruto de uma paisagem linda.

O sol já acordou faz tempo. E se deixa ver entre nuvens densas.

Mais ao longe um casario baixo acorda sonolento. Mais adiante a linda serra da Bocaina parece inatingível aos meus olhos. Já que ela ainda está envolta na neblina. Mais tarde, no decorrer do dia, ela pode ser admirada em sua plenitude. A tarde poderei vê-la totalmente.

A mão esquerda, olhando pela mesma janela fronteiriça, meu passado se descortina.

Aquela rua, que começa onde era a casa do meu avô, onde hoje se situa o prédio Rodartino Rodarte, foi edificado por meu pai. A velha caixa d’água esta no mesmo lugar. Justamente na esquina. Por onde subo todas as tardes. Por aquele morro agudo, antes conhecido por morro do Mirante.

Mais abaixo, ainda nas proximidades daquela rua, pra mim tão querida, onde morava um tio meu, na minha infância perdida era apenas um cafezal. Era ali que brincava de pique-esconde. Seu Horácio Carvalho era o seu proprietário. Como tantos outros ele já partiu .

Nos fundos do Tiro de Guerra existia uma mina d’água. Hoje dela só restaram saudades.

O velho clube, não tão velho como eu, somos da mesma idade, é onde me exercito todas as tardes. Não sem antes passar por aquela mesma casa onde passei meus melhores anos. Na companhia dos meus pais.

Daqui de cima percebo parte do meu passado. A casa onde morei, foi a única que edifiquei, é onde nasceram meus filhos. É uma casa enorme. Com uma piscina nos fundos. Ela fica no bairro Centenário, onde comecei minha vida de médico.

Olhando mais adiante, agora o sol brilha forte, preciso descerrar as folhas das persianas para que a luz intensa não me ofusque os olhos, o aeroporto da Baunilha deve estar vazio a esta hora.

O colégio Aparecida, que pena, hoje está entregue as suas lembranças passadas.

A praça principal da nossa cidade é outra visão que se permite ver. Por ali passo sempre. Meu netinho mais velho adora correr naquelas alamedas.

A cidade parece que acordou de vez. O movimento frenético dos carros, as pessoas em seus ir e vir, a vida recomeça nesta quinta-feira, quase final de agosto.

E eu, daqui do alto, com o prédio ainda vazio, tendo por companhia apenas o peixinho do meu aquário, escrevo o que minha inspiração dita.

Olhando, daqui do alto, um prédio novo acaba de ser concluído. Ele empapa-me parcialmente a visão. Mas não impede que a luz do sol entre pela minha janela.

As ruínas do colégio Aparecida causam-me nostalgia. Quantos lavrenses ilustres estudaram naquele estabelecimento. Outro colégio, onde passei parte da juventude, pode ser visto juntinho a praça. Ele, neste mês de agosto, comemora seus cento e cinquenta anos.

Olhando daqui do alto, num prédio onde hoje moro, meus dois netos ainda estão dormindo. Saio cedo. Antes das sete. E eles dois ainda dormem seus sonos de anjinhos.

Como é bom olhar a vida daqui de cima. Os defeitos que a cidade mostra são pequenos pontinhos no asfalto.

Agora mesmo um passarinho avoou. Outros dois lhe fizeram companhia.

A serra da Bocaina ainda está envolta pela neblina. Meu relógio mostra sete horas da manhã. A partir das oito o trabalho me espera.

Olhar a vida pelo alto me faz tanto bem. Pena que de vez em quando tenho de aterrissar no asfalto duro. Mas, faz parte. Nem sempre me é permitido sonhar. Pois o mundo tem altos e baixos. Ora a gente fica por cima. De repente nos sentimos como pássaros de asas quebradas.

Mesmo assim, todas as manhãs, nesta mesma hora, olhando a cidade acordar, pelo alto, é como se o passado voltasse. E ele me diz: volto sim. Basta olhar a linda visão que se descortina daqui do alto.

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