Não sei o que vai ser de mim

Hoje, quinze do mês de agosto, amanheceu com um vento frio, assobiante, que mesmo assim me tirou da cama antes da seis da manhã.

Como de rotina não consigo ficar no leito. Sinto-me disposto, competitivo, como era aos meus vinte anos.

Nem de longe penso em me aposentar. Quando este tempo chegar não sei o que vai ser de mim.

Ficar assentado a um banco da praça, curtindo o ócio, pra mim, tão ativo ainda, quase completando os setenta, parece que vai ser indício do fim.

Não tenho razão, nem de longe, para me queixar da vida. Tenho saúde a emprestar aos outros. Disposição nunca me falta. Inspiração, esta então, até no presente momento tem sido companhia inseparável das minhas madrugadas. Não me lembro de quando precisei procurar um colega para tratar da saúde. Exames de rotina relego-os a segundo plano.

E faço de tudo para me conservar como aos vinte anos. Exercito-me diuturnamente. Antes corria pelas estradas. Já hoje me contento em malhar na academia. Pra onde vou ao cair das tardes. Compulsivamente. Diz um professor, meu amigo, que sou viciado em exercício. Um vício o qual não pretendo deixar de lado até quando conseguir usar as pernas como tenho feito.

Não sei o que será de mim quando não puder caminhar. Quando precisar me amuletar. E, se por acaso a visão me faltar? Acostumar-me-ei a esta condição? Ou pra mim seria o fim?

Escrever, pra mim, é vital como a vida tem sido. Observar o mundo, com estes olhos que admiram a beleza, como agora o sol brilha forte, lá fora o vento amainou, da mesma forma não sei viver sem querer bem as pessoas. Principalmente as humílimas. Gente simples da roça. Pra onde vou aos sábados. Não sei o que vai ser de mim quando não mais puder afagar meus netos, brincar com eles fazendo de conta que ainda sou criança.

Doce infância perdida, naquela rua que daqui se avista pelos fundos, onde moraram meus pais.

Não sei o que vai ser de mim quando não mais puder operar. Quando meus dedos travarem. E não mais conseguir tirar de dentro das pessoas o mal que as aflige.

Não imagino o que vai ser de mim o dia em que não mais puder distribuir gracejos aos amigos. E quantos amigos já partiram. Sem se despedirem de mim.

Nem sequer imagino o momento infeliz, quando me despedir daqueles a quem amo, já que alguém os convocou a viver ao lado Dele. Tomara eu parta antes deles. Neste momento, espero ainda longe desta vida.

Não sei o que vai ser de mim quando for privado da liberdade. Quando não mais puder ir e vir. E for necessário viver sob os cuidados de um cuidador de idoso. Espero que me privem de viver assim.

Não sei o que vai ser de mim no instante infeliz de não conseguir me lembrar do passado. E minha memória me atraiçoar. Minhas lembranças se apagarem.  E não mais conseguir me recordar o quanto foi bom abraçar meus pais.

Nem sequer imagino o quanto foi bom vê-los, pela primeira vez, meus netinhos, assim que eles nasceram. Recordo-me daquele instante único. Como se hoje fosse.

Não sei o que vai ser de mim quando a inspiração me faltar. E quando não mais puder sorrir. Nem ao menos admirar o nascer do sol. O sorriso de uma criança. O afagar de uma mão na cabeça de um ancião.

Ainda bem que ainda sou capaz de fazer tudo isso. Sorrir, caminhar, sonhar.

 

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