“Ainda bem”

Hoje, quatorze de agosto, amanheceu com indícios de chuva no ar.

Parece que no decorrer do dia vai chover. Uma chuvinha leve tomara que caia mais tarde. No fechar os olhos do dia. Durante a noite. Reforço eu.

Como tem andado seco este inverno que de repente aqueceu.

As minhas narinas amanhecem entupidas. Meus pulmões carecem de ar. Algumas nuvens cinzentas se mostram ao longe. Tomara a chuva desça do alto para umidificar o ambiente. Assim deve pensar meu amigo da roça. Que a esta hora madrugada deve estar com as mãos na massa. Espremendo as tetas das vacas. Tirando delas o sustendo da sua vidinha descomplicada.

Tiãozinho do Aristeu é uma pessoinha singela. Sempre que passo defronte a sua casa, de volta da minha roça, encontro-o puxando sua carrocinha cheia de capim picado. Ou de cana recém-cortada de véspera. Já que a silagem de milho acabou faz tempo. E ele não tem outra coisa a dar de comer as suas vaquinhas mansas. Pois naquela entressafra a estiagem prolongada prejudicou-lhe a colheita de milho. E nada mais restou naqueles cochos vazios.

Tiãozinho era feliz dentro da sua humildade singela. É um dos amigos que mais prezo.

Sempre de sorriso pronto. Mostrando os dentes naquela dentição imperfeita.

Quando tento apertar-lhe a mão ele reluta em dar a sua. Sob a alegação que sua mão cascorenta não se encontra limpa como deveria estar a minha. Mal sabe ele que meus dedos de urologista trafegam em certos lugares insalubres. Mesmo que vestidos de luvas grossas.

Ele é um otimista como poucos. Mesmo que o tempo não seja a contento ele sempre diz: “não se avexe amigo. Hoje está ruim. Mais tarde deve melhorar”.

Noutro dia, quando passei por ele, maldizendo a seca que consumia os pastos, ele me respondeu alegre como sempre: “não se preocupe doutor. Ainda bem que não choveu no tempo certo. Agora, tenho certeza que a chuva vai cair. Ainda é tempo de se alegrar”.

Tudo para ele é ainda bem. Dentro de sua simplicidade tamanha, do seu jeito humílimo de ser, não importa se a vaca deita sobre o rabo. O que conta que ela se levanta. E enche os baldes daquele leite quentinho, espumoso, seu maior alento.

“Ainda bem que chove no tempo certo”. Sempre diz ele. Quando passo a frente da sua roça.

Ainda melhor que seus filhos podem vender saúde. Quando seu único filho perdeu a perna num acidente de moto, ele veio com esta: “ainda bem que ele está vivo. Mesmo faltando uma perna. Imagine se ele morresse? O que seria da sua família? E de mim e minha querida esposa”?

Os “ainda bem” que o amigo Tiãozinho me diz, quando nos cruzamos pelas encruzilhadas da vida, são para mim um alívio nas minhas angústias.

Por vezes sinto que as coisas não andam nada bem. Como nestes tempos difíceis por que passamos.

Espero, de coração a larga, que tudo de ruim que temos de enfrentar sirva-me de lição.

Ainda bem que existem pessoas como o amigo Tião. Os quais, mesmo ao sabor das contrariedades, exibem um largo sorriso na face.

No próximo sábado devo me encontrar com ele. Ainda bem.

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