Sempre a mesma hora

Não tenho como fugir à rotina.

Exatamente às seis da manhã meus olhos se abrem. Deixo a cama. Vou ao banheiro. Esfrego os olhos ainda semicerrados de sono. Tento dormir mais um pouco e não consigo. O leito me cospe nesta hora quase madrugada. Escovo os dentes olhando em direção ao espelho. E sempre ele, meu primeiro confidente, me avisa: “você deveria dormir um pouco mais. O sono faz falta. Principalmente na idade que você atingiu. Veja os bebês. Eles dormem muito. E acordam bem dispostos a enfrentar um novo dia”.

Mas não tenho como fugir à rotina. Ela pode se tornar enfadonha. Mas tem feito parte uníssona de minha vida. Antes das sete, meia hora antes, já estou aqui no consultório. Depois de um desjejum frugal, um cafezinho magro, duas bananas maduras, um copo de leite frio, pra mim basta. Consigo esperar a hora do almoço sem maiores percalços.

Escrevo o que minha inspiração dita. Por vezes ela claudica. Empaca como um cavalo bravo. Mas assim que o computador atende ao meu comando qualquer coisa, mesmo que seja banal, deixa meu cérebro em efervescência. E em poucos minutos uma nova crônica é escrita. Através delas me desnudo. Deixo minhalma livre para alçar voos neste novo dia.

Sempre a mesma hora tudo isso acontece. A partir das oito permito ao médico que mora dentro de mim ocupe esta cadeira que gira. Começo o atendimento. Antes das dez me permito uma pequena caminhada. Vou em direção a um posto de saúde. Onde pacientes esperam a minha presença. Sempre as segundas e terças feiras. Já nas quartas e quintas me desloco a outra unidade de saúde. Mais longe de onde estou.

Amanhã já é quarta-feira. Como a semana passa. Com a mesma intensidade que a vida passa.

Hoje não tenho mais vinte anos. Quase estou setentando. Mais uma década de vida me espera. Até quando estarei aqui? Observando o sol que nasce sempre a mesma hora de sempre. Hoje o céu está azul. Nenhuminha nuvem no alto. Mais um dia quente. Apesar de estarmos ainda no inverno.

A mesma hora de sempre estarei junto aos meus netos. Com que prazer me sinto entre eles. No meio daquelas pessoinhas brincalhonas. Aos seus lados me rejuvenesço.

Agora são quase sete da manhã. Nesta manhã linda. Sol a ofuscar-me a retina. Deixo as persianas abaixadas. E sinto a presença de meus pais juntinho a mim.

Sempre a mesma hora deixo meu apartamento em direção a onde estou. Trata-se de um trajeto curto. Poucas pessoas ainda estão pelas ruas. Alguns madrugões, como eu, se deslocam em direção ao trabalho.

A mesma hora costumeira levanto-me. Deixo a cama num átimo. Não tenho como mudar esta rotina. Ela está intimamente ligada a minha pessoa. Tem feito parte do meu modus vivendi.

Faltam dez minutos para as sete horas. E ainda não terminei este texto de hoje.

Sempre a esta hora termino o que tenho a dizer. E me expresso escrevendo. Preciso ler mais.

Aculturar-me sempre. Mas, no alto dos meus quase setenta anos, quem diz que consigo mudar?

Burro velho não pega marcha. E eu continuo na mesma rotina de sempre. Feliz da vida por tudo que tenho conseguido. Pelos filhos que criei. Pelos netos que porventura terei. Pela esposa companheira. Pelos pais que me deram a vida.

A mesma hora de sempre amanhã estarei aqui. Depois de depois de outro amanhã. Até quando a vida me permitir sonhar. Até quando a saúde não me abandonar. Que Deus, na sua bondade infinita, me cubra de graças.

Para que eu, nos meus quase setenta anos, a esta hora, amanhã, depois de outro amanhã, esteja aqui para agradecer tudo de bom que a vida me fez presente.

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