Deus ajuda a quem cedo madruga

Era esta a máxima daquele senhor, madrugão, que acordava sempre a mesma hora, fosse frio, ou azedasse o calor, antes das cinco já se punha de pé, esquentava o café da tarde de ontem, depois de passar uma água fria na cara mal dormida, ajeitava a cama como podia, pois vivia com ele mesmo, e, antes das cinco e meia já estava pronto a enfrentar as tarefas do dia.

Seu Benedito era gente da roça. Ali nascido. Neste mês de agosto, quase em sua metade, ele contava com sessenta e nove anos de vida. E nem parecia ter a idade que o calendário mostrava. Talvez a explicação para tal fato fosse a vida sadia que sempre levou.

Não tinha vícios maiores a não ser o trabalho. Cigarro nunca lhe passou pelos lábios. Mulher ele tinha aos montes. Embora, segundo o seu conceito, casar não seria nunca empreitada que lhe passaria pela cabeça. Preferia ter um caso aqui, outro acolá, embora na roça mulher fosse prenda rara. Quando sentia falta de um rabo de saia, ou que havia por dentro, recorria a um prostíbulo situado num povoado perto. Lá se encontrava com a mesma rameira. Uma morena faceira que sorria como se vida para ela tivesse nascido num dia de alegria imensa.

Benedito era feliz e bem o sabia. Era dono de uma pequena propriedade rurícola. Herança de família. Ali passou toda a vida. Raras vezes tinha de ir à cidade perto. E voltava logo. Pois a roça era o seu ponto de equilíbrio. Tinha pelos bichos verdadeira adoração. Pelas vacas e seus bezerros, pelos animais de sela, até mesmo pelos porcos grunhentos, sentia um apertume no peito quando se ausentava de sua rocinha encantada.

Um dia passei por ali. Fui numa vistinha rápida. Acontece que precisava passar na minha roça. Para ver como ia a minha construção.

Montado num cavalo baio, batizado com o nome do meu querido neto, Theo, apeei na roca do vizinho Benedito. Era ainda bem cedo. Antes das sete horas. Numa manhã risonha de um sábado.

Encontrei-o cochilando à sombra de uma velha amoreira. Ele já tinha ordenhado as vacas. Alimentado a porcada faminta. E se preparava para roçar a pastaria. Tarefa que iria durar até

a hora do almoço. Fui convidado a almoçar com ele. Convite aceito. Pois nada teria de fazer naquele sábado lindo.

Tentei acompanhá-lo na roçação de pasto. Logo ao seu começo me dobrei ao cansaço. Antes das dez e meia o sol já estava quente como deveria ser o inferno. Minha camisa estava empapada de suor.

Paramos antes das onze horas. Seu Benedito acendeu o fogão a lenha. E começou a preparar o nosso almoço. Fiquei a observá-lo todo o tempo. E como ele, bem mais velho que eu, parecia meu irmão mais novo.

Assim que terminamos a comida, apetitosa como jamais havia experimentado, antes do dobrar do dia despedi-me do amigo Benedito.

Precisava voltar à cidade. Segunda-feira se mostrava a seguir de domingo.

Passei o domingo inteiro pensando na vida sadia do amigo da roça. Apesar da trabalheira costumeira, do acordar sempre a mesma hora, plena madrugada, de viver na própria companhia, de amar os bichos como se deve amar o próximo, Seu Benedito passou-me uma lição a qual pretendo tomar como se fosse regra minha.

Agora acordo ao despertar do dia. Antes que a lua adormeça. Levanto-me bem disposto. Passo uma água fria em meu rosto. E digo bom dia ao espelho.

Antes da minha partida da rocinha do Seu Domingos me recordei de um dito dele: “Deus ajuda a quem cedo madruga”.

E não é que ele tinha razão?

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