Sem perspectivas

O mundo anda de pernas viradas. Tudo parece perdido.

A crise se alastra como fogo em relva ressequida.

Era este o cenário que se descortinava aos olhos daquele menino.

Aos menos de cinco anos Fernandinho perdeu o pai.

Um homem entregue ao vício da bebida. O qual sempre chegava a casa trocando as pernas, exalando um cheiro nauseabundo de cachaça.

Por não ter o que fazer, já que era mais um desempregado, dentre tantos que perambulam a esmo pelas ruas, Chico passava a agredir a pobre mulher. Era comum ver a mãe de Fernandinho com alguma costela fraturada, um olho roxo, queixando-se dos maus tratos do marido.

Todos naquela casinha carecendo de alegria tremiam de medo quando o progenitor aparecia. E tentavam fazer vista grossa às suas atrocidades.

Enfim, numa manhã de agosto, com o sol lambendo a terra com seu brilho intenso, felizmente alguma coisa mudou na vida daquela família sofredora. O pai foi preso por uso tráfico de droga. Nunca mais se teve notícias dele. Ao revés do que se esperava aquela prisão foi motivo de alegria.

Fernandinho cresceu esperando uma vida melhor. Era bom aluno. Aplicado, atencioso, era tido como uma pessoinha exemplar.

Aos dez anos, para ajudar nas despesas de casa, passou a trabalhar.

Foi admitido como menor aprendiz numa loja de computadores. Chegava cedo ao trabalho. Esforçava-se como poucos. Durou menos de um mês sua nova vida. A loja foi assaltada.

Fernandinho foi feito refém. Passou um dia inteiro amordaçado. Impedido de deixar a loja. Sob a vigilância estreita dos meliantes.

Não precisa dizer que no dia seguinte o pobre menino perdeu o emprego. A loja foi fechada. Levaram tudo que havia lá dentro. Inclusive as esperanças do pobre Fernandinho.

A partir de então o jovenzinho teve de deixar a escola. A família precisava dele em casa. Acontece que a mãe caiu enferma. E da cama não mais saiu.

Fernandinho cresceu enfrentando toda a sorte de vicissitudes. Sem formação profissional não teve como arranjar outra ocupação.

Aos vinte anos perdeu a mãe. Passou a viver solitário. Entregou-se ao vício das drogas. E as más companhias dele fizeram uma pessoa pior que sua índole previa.

Sem perspectivas de uma vida melhor o jovem passou a engrossar um bando de infratores.

A princípio roubavam idosos nas ruas. Era uma quadrilha assaz conhecida no mundo do crime.

O pobre Fernandinho, aos menos de vinte e cinco anos, conheceu uma prisão pela primeira vez.

Ali permaneceu enjaulado, como besta fera, por cerca de cinco anos. Saiu prometendo se regenerar. Mas, quem diz que uma vez bandido se torna gente de bem? Todas as portas se fecham aos sentenciados. A sociedade não oferece uma nova chance aqueles que uma vez na vida se enveredaram pelo caminho do mal.

Fernandinho, antes de completar quarenta anos, novamente foi pego pela polícia. Desta vez a única culpa que lhe foi imputada foi pelo simples fato de estar no lugar errado na hora errada.

Foi um mero circunstante durante um assalto a mão armada. Mais uma vez Fernandinho foi levado às barras do tribunal. E foi sentenciado a dez anos de prisão.

Já era tarde da noite quando Fernandinho foi solto daquele lugar obscuro. Desta feita prometeu, a si mesmo, que iria mudar de vida.

Mais uma vez na rua. Teve de dormir ao relento. Passou fome. Mendigava migalhas na porta de um banco.

Aos cinquenta anos caiu enfermo. Foi levado a um hospital como indigente.

Recebeu alta ainda pior. Uma pneumonia alastrou-se pelos dois pulmões.

Por sorte não morreu daquela vez.

Sem perspectivas de uma vida melhor o já ancião passou seus últimos dias numa casa de idosos.

Fernandinho fechou os olhos para sempre. Numa linda sexta-feira. Meados de agosto.

Assim vive grande parte dos brasileiros. Se é que isso pode ser chamado de vida.

Sem perspectivas de um futuro melhor. Sem chance de ser feliz.

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