Velhas lembranças fugidias e eternas

As recordações que me veem a mente, neste começo de julho, extrapolam bem longe a minha idade.

São lembranças fugidias. De um tempo bom que ficou atrás.

Ainda me lembro, coração carregado de nostalgia, quando meus pais me puseram no mundo. Foi na linda Boa Esperança. Ele era funcionário de um banco que leva o nome de nosso país.

Quase setenta anos se passaram. E eu, agora quase setentando, parece que foi ontem que nasci.

Era uma criança de cabelos louros. Numa fotografia que tenho detrás de onde escrevo, dentro de um galinheiro, alimentando as galinhas, estava eu desnudo. Como me parecia ao meu primeiro neto. Era a cara dum focinho do outro.

Em outro retrato, pelo qual tenho imenso carinho, estava vestido num terninho escuro. Era numa praça de Boa Esperança. Creio, se não me falta a memória, contava com apenas três aninhos. Da mesma idade que conta agora meu neto Theo. Noutra fotografia, no mesmo porta- retrato, eu me equilibrava nos ombros do meu pai. Minha mãe posava ao lado. Que casal lindo de onde irradiava simpatia.

Minha tia Cida era outra que aparecia junto ao primeiro sobrinho. E minha mãe, que Deus a tenha, a porta de nossa casa sorria, creio que ainda solteira, antes de me ver nascer. Naquele longínquo um mil novecentos de quarenta e nove. Data do meu nascimento. Num finado mês de dezembro.

Ainda me recordo dos velhos tempos. Quando para aqui me mudei. Contava com cinco anos exatos. Fomos morar naquela rua por onde sempre passo ao cair das tardes. Onde hoje vive a Rosinha e suas cuidadoras.

O velho hospital ainda está no mesmo lugar. Bastante remodelado. Foi ali que ensaiei meus primeiros passos na carreira de médico. O velho clube, da minha idade, ainda me acolhe todas as tardes. Só que o velho trampolim não existe mais. A piscina adquiriu cara nova. Mais rasa. cheia de raias olímpicas. Onde nadadores exercitam a sua arte. Em braçadas vigorosas. Hoje a água está aquecida. Própria aos dias frios. Neste inverno que mais parece verão.

Os vizinhos daquela rua se foram. Para o mesmo lugar onde moram meus pais. No lugar daquelas casas, onde moraram famílias, transformaram-se em clínicas.

Pra onde foram os meninos da Costa Pereira? Poucos restaram. Em seus lugares ficaram saudades. Daquela infância perdida que não volta mais.

Caminhando mais no tempo, ainda me lembro dos velhos amigos. Muitos são avós. Casaram-se, tiveram filhos, que lhes deram netos. Um deles, de nome Luciano, de vez em quando nos vemos pelas ruas da nossa cidade.

Não vivo sem remoer lembranças. Sobrevivo graças ao passado que sempre me passa pela cabeça.

Velhas lembranças não apenas me causam saudades. Bem como me permitem saborear o amargume insosso que por vezes me passa pela garganta.

Nada me custa rever o passado. É só olhar pela janela que ele vem. Carregado de lembranças boas.

Dizem que o passado deve ser enterrado. E quem me garante que ele, o mesmo passado, deve ser olvidado, se ele faz parte da gente. Desde que a gente nasce. De menino nos tornamos idosos. De repente adoecemos. Deixamos de existir. Num futuro incerto.

Velhas lembranças não devem ser guardadas apenas dentro da gente. De vez em sempre devem ser libertas de nossos corações enternecidos pela saudade.

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