Quisera eu

Há tempos sempre desejei mundos e fundos.

Pena que o mundo não era só meu.

Uma vez menino, meu primeiro presente, ainda me lembro bem, foi uma bicicletinha de rodinhas cor de rosa. Ao olhar para aquele regalo, depositado debaixo de uma árvore de Natal, a primeira impressão não foi das mais agradáveis. Pensava que o rosa era próprio das meninas. E pedi ao meu pai que trocasse aquela linda bicicletinha por uma de cor mais adequada ao sexo masculino. Fui à loja junto a ele e escolhi outra de cor azul e vermelha.

Logo aprendi a andar. Retirei as rodinhas. Quantos tombos levei pela minha audácia. Isso foi há tanto tempo que nem me lembro mais.

A seguir, no meu aniversário, quando eu comemorava cinco anos, já aqui em Lavras, recebi outro presente que me foi dado pelo meu avô Rodartino. Foi uma linda bola de capotão. Aquelas de couro costurado a mão que não se usa mais.

Aquela bola pouco durou. E ela descosturou bem no meio. Foi durante uma pelada junto a alguns amiguinhos. Muitos deles já viraram estrelas e moram no céu.

Quisera eu poder abraçá-los algum dia. Bem sei que onde eles estão só poderei revê-los quando a morte chegar.

Uma vez mais tarde, quando já estudava naquele colégio cujo uniforme ainda é verde e branco, sonhava com uma coleguinha de cabelos encaracolados. Era moreninha a lindinha. Mas ela só tinha olhos para outro colega. Quisera eu que fosse eu o escolhido para ser seu primeiro namoradinho.

Já anos depois, já bem crescidinho, na iminência de escolher uma profissão, elegi a medicina como primeira escolha. Meu desejo foi acertado. Não quisera eu que meu destino fosse outro.

Anos depois, já estabelecido nesta cidade, oriundo da Espanha, trabalhava como um condenado. Quase não tinha noites de sono. Quisera eu ter dormido mais.

Já hoje, anos passados, ainda não aposentado, só faço o que me apraz. Trabalho em menor intensidade. E escrevo muito mais. Quisera eu que a vida não me exigisse tanto. Afinal já fiz tanto. E espero fazer muito mais.

Há inexatos três anos nasceu meu primeiro neto. Estava na sala de parto quando ele veio ao mundo. Com que alegria recebi aquele pimpolho. Ainda besuntado em líquido amniótico. Sujinho como os bebês nascem. Não quisera eu que fosse diferente.

A seguir vieram outros dois. Que venham outros mais.

Já hoje, quase setentando, alguns meses mais entrarei nos setenta, ainda me sentindo jovem, ainda desejo mais.

Tão logo a vida me levar e a morte vier me buscar entrarei em outro mundo.

Junto a pessoas que ainda amo tanto. Entre elas cito meus pais.

São tantos os quereres, tantos desejos incontidos, que se ficasse aqui, enumerando todos eles, levaria uma eternidade. Mas não posso medir a eternidade. Ela é infinita. Como não é a vida.

Quisera eu, um dia, quem sabe, poder retratar, em meus escritos, toda a beleza deste mundo.

Pena que todos os meus quereres são sonhos não sonhados. Quisera eu que não fosse assim.

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