Chuva abençoada

Desde o verão passado não se via uma gota de água vinda dos céus.

Quase um ano inteiro desde então.

A safra de milho se perdeu. O mesmo aconteceu com a pequena plantação de arroz.

O velho Chico, desconsolado, orava ao seu Santo protetor de mãos pro alto: “por favor, meu querido Santinho dos Desafortunados. Abra a torneira do céu. E deixe cair chuva aqui no meu pedacinho de pasto. A terra carece de água assim como eu careço de amor”.

Mas nada de a chuva despencar do alto. A seca estava sendo inclemente naquelas terrinhas áridas. E quem morava naquelas bandas sofria com a estiagem.

Entrava ano, despedia-se outro, e nada de a chuva dar o ar da sua graça. A pastaria se resumia a alguns fiapos de capim seco. Até mesmo os mandacarus apodreciam de tanta sequidão da terra. As palmas de São Jorge, branquinhas como algodão, alimento para o gado, quando falta outro substrato, definhavam no meio do brejo. Nem mesmo as taboas resistiam.

Foi neste cenário ingrato que o pobre Chico vivia.

A vacada adoecia. Era comum encontrar alguma rês extraviada servindo de pasto aos urubus.

O leite minguava. Não havia como viver naquelas cercanias.

Entrou o mês de julho. Era o fim das festas juninas. O povo estoico do Nordeste não tinha motivos para celebrações.

O velho Chico, naqueles tempos duros, contava com quase setenta anos. Entretanto parecia muito mais. Tez tostada pelo sol. Cabelos ralos nas têmporas. Pele sulcada prematuramente. Quem nele passasse os olhos daria, com certeza, uns oitenta anos. Se não mais.

Por sorte o velho Chico nunca ficara enfermo. No máximo um resfriado, uma tosse de vez em quando, tirava o sono do velho Chico.

E ele acordava cedo todos os dias. Era bom de braço e contumaz trabalhador.

Vivia da renda do leite. O que lhe permitia viver com algum conforto. A esposa, dedicada senhora, morreu de parto, no verão passado.

Chico vivia só. Ele mesmo cuidava da casa. Cozinhava num fogão a lenha. E nunca lhe faltava comida.

Naquele inverno, que costumava ser chuviscoso, nenhuma nuvem cinzenta indicava a presença de chuva.

Passaram-se dois anos naquela situação aflitiva.

Chico pensava vender a propriedade. Quem sabe mudando-se pra cidade seria mais feliz.

No entanto, sempre viveu ali. Nasceu e criou raízes. E não se sentia a vontade em outras paragens.

Foi numa sexta-feira, quando tudo parecia perdido, já desanimado com a falta de chuva, o velho Chico sonhou com a chuva.

Era dia cinco do mês de julho. No dia de ontem parecia que o tempo iria mudar. Mas, quase sempre era a mesma ladainha. Ajuntavam-se nuvens que logo se desfaziam.

Naquela manhã, antes do cantar do galo, Chico acordou em sobressalto. Pingos gordos batiam no vidro da janela. Foi uma chuvarada que durou por todo dia.

O riacho encheu-se de água barrenta. As minas revitalizaram-se. O velho açude transbordou.

A pastaria enverdeceu. A partir de então o velho Chico voltou a sorrir.

Aquela chuva abençoada conferiu novas cores ao sertão.

O velho Chico viveu mais alguns anos. Feliz da vida. Agradecendo ao seu santo protetor as graças recebidas.

 

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