Meu amigo Corujão

Sempre o vejo as quartas e quintas feiras. Quando vou ao ambulatório de especialidades. Situado na zona norte da cidade.

Não tenho noção exata de quando o conheci. Parece que nossa amizade extrapolou a nossa idade. Tal a camaradagem que hoje existe entre nós.

Seu nome de batismo é Matusalém. Personagem assaz conhecido na zona norte da cidade. Tal a simpatia que irradia daquela fisionomia sempre alegre. Que, quando assentados ao ponto de ônibus, via de sempre distribui cumprimentos mesmo a desconhecidos.

Sua casa, uma de cor amarela desbotada, precisando de tinta nova, fica exatamente defronte ao tal ponto de ônibus. Zalem, pra mim conhecido por Corujão, mora sozinho. Já que não teve a sorte de contrair matrimônio. Pelo menos é o que conta o meu amigo de curto conhecimento. Mas que considero, devido a sua alegria contagiante, um amigo dos mais antigos que trago comigo.

Ele sempre traz dependurado no peito, além de pura ingenuidade, um cartão de idoso. Com ele anda de ônibus pela cidade. Em tours que se estendem por todas as partes. Quantas vezes o vi na praça principal. Distribuindo aqueles “eis” em altos decibéis.

Naqueles minutos fugazes, quando espero a lotação chegar, trocamos várias amabilidades.

Comentamos, an passant, sobre sua diabetes que de vez em quando o faz ir a Varginha, onde moram suas irmãs. Sobre a sua poupança. Sobre a sua polpuda conta bancária. Sobre a qual não sei se é mais uma lorota, entre as tantas que ele me diz.

Nunca percebi meu amigo Matusalém tristonho. Ele é feliz a sua maneira. Mesmo vivendo solitário naquela casa amarela. Onde nunca tive a felicidade de entrar.

Conversamos amenidades. Trocamos inconfidências mineiras. Dentro da sua mineirice brejeira. Como me faz bem observar, naquele rosto crispado pelos anos, aquela simpatia genuína, admirado por todos que o conhecem, desde tempos que longe se vão.

Mesmo morando só Matusalém é feliz. Quem não tem os seus problemas?

Conforme dele ouvi mulher não lhe faz falta. Tem suas refeições ali pertinho. Ignoro quem arruma sua casa.

Mesmo sujeito a adversidades meu amigo Zalem não se queixa da vida que tem levado.

Quando lhe pergunto a idade ele regateia. Diz, sempre com um sorriso nos lábios: “tenho mais de cem”. Seu homônimo, talvez de quem tenha herdado o prenome, conforme a história diz, viveu mais de cem.

Hoje, quarta-feira, vinte e dois de maio, dia lindo, rico em sol, logo mais espero ver de novo meu amigo Corujão.

Oxalá a saúde ainda lhe faça companhia. Sua diabetes, sua alegria, nunca consigam desfazer a doçura daquela pessoa boa.

Quem o epitetou de Corujão não fui eu. Foi o simpático Chumbinho. Motorista da Autotrans.

Um dia, quando o conheci, ele estava no mesmo banco, do mesmo ponto de ônibus. Esperava um motorista, talvez tenha sido o Boca, de nome Luís.

Trazia uma sacolinha na dobra do antebraço. Era um lanche a fazer presente ao seu amigo motorista.

Corujão, sempre simpático, passa horas observando o entorno. Como uma coruja de verdade gira o pesco curto em trezentos e sessenta graus.

Confesso que tenho poucos amigos. Admiradores talvez sejam mais.

Amigo como o Corujão conto nos dedos. Todos das minhas duas mãos.

 

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