Juvêncio Notícia Ruim

Falar sem papas na língua era característica daquele senhor.

Juvêncio era seu nome.

Ele morava numa pequena propriedade perto da cidade. Dali não se afastava nem que fosse por alguns minutos. Era o cuidador daquele sitiozinho. Cujo dono era um conhecido  médico especialista em vias urinárias.

De vez em quando o dono aparecia. Sempre nos sábados e finais de semana.

Algumas vacas de pelo luzidio eram as donas do pedaço. Por elas o doutor Manoel tinha o maior apreço. Principalmente por uma de nome Seriema, uma vaca esguia, de mojo que quase tocava o chão, a qual, nas duas ordenhas, produzia mais de cinquenta litros frios, quando de bezerro novo.

As outras não destoavam da Seriema. Todas juntas produziam quase quatrocentos litros de leite frio. Que eram vendidos a um lacticínio perto da região.

Doutor Manoel, quando por ali aparecia, sempre pedia notícias das suas vacas.

Via de regra eram notícias boas. Mas, para não fugir a rega, de vez em quando alguma contrariedade acontecia. Quem tem o costume de produzir leite bem sabe de alguns destes incômodos.

Doutor Manoel, já bem avançado em anos, quase setenta, embora não aparentasse, de vez em quando vinha a sua roça pelas próprias pernas. O velho médico era o exemplo de bom preparo físico. Quase não usava carros em suas andanças diárias.

Embora ainda produtivo na especialidade, nunca pensava em se aposentar da vida, a morte não lhe passava pelas ideias, Doutor Manoel era a encarnação do amor pelos bichos e pela singeleza do bom povo da roça.

Adorava prosear com os peões. Deixava na cidade seu linguajar erudito para falar igualzinho a eles.

Assim que chegava ao seu pedaço de chão logo inquiria ao cuidador de suas vacas o que estava acontecendo por ali.

Juvêncio por vezes cocava a cabeça, e logo respondia com seu jeitão caboclo: “sabe Dotô. A Braúna, durante aquela chuvadonha, veio a cair numa ribanceira, e acabou quebrando a perna. Hoje ela virou pasto aos urubus”.

Doutor Manoel, bastante desconsolado, olhava pros lados, e mais uma vez perguntava, com receio de mais notícias ruins, o que estava acontecendo justamente com a Seriema. Sua vaca predileta, pela qual tinha verdadeira adoração.

Mais uma vez Juvêncio respondia, angustiado, o que, na semana passada, quando o doutor não apareceu: “Dotô. nem queira saber do infausto ocorrido. Justamente a Seriema, não por descuido meu, numa manhã, quando fui procurá-la, ela estava de cria nova. Escondida num matinho perto. Só que, durante o parto, uma cascavel apareceu e mordeu-lhe justamente o mojo. Até hoje não consegui curar as suas tetas. Acredito que ela perdeu todas elas. E o pobre bezerrinho, que era um feminha, acabou morrendo de inanição”.

Doutor Manoel pôs a mão na cabeça. Desolado com as péssimas novidades.

A seguir, como desgraça pouca é bobagem, mais uma vez o bom doutor quis saber das demais contrariedades. E pediu, encarecidamente, que Juvêncio omitisse as ruins. E contasse apenas o que de bom aconteceu. Ou melhor. Noticiasse primeiro as boas. As piores deixasse para depois.

Juvêncio prosseguiu no relato. “ah! Dotô. ainda bem que o senhor explicou. Sabe, aquela égua manga-larga, pela qual o senhor pagou os olhos da cara? Ela veio a parir. Um lindo cavalinho, esperto que nem ele só.”

Doutor Manoel logo se alegrou. E pediu ao caseiro que o levasse ao local onde estava a égua. De nome Cigana. Para conhecer o lindo potrinho, do qual Juvêncio falou tanto bem.

Assim que chegaram ao local mais uma decepção aguardava o doutor Manoel. O pobrezinho havia ficado cego de um olho. Por causa de um esbarrão num espinho de unha de gato.

Tentando deixar a tristeza de lado o doutor partiu desassossegado de sua rocinha prejuizenta. Na semana vindoura por certo tudo estaria mudado.

Ao se despedir do caseiro Juvêncio fez mais uma recomendação.

“Por favor. Não me deixe saber das notícias ruins. Esconda-as. Sonegue se for possível. Conte-me antes o que de bom aconteceu. Peço-lhe, encarecidamente”.

Antes de sua partida Juvêncio, de cabeça baixa, veio com mais esta: “Dotô. Já ia me esquecendo. Sabe a vaca Melancia, aquela novilha recém-parida? Ela atolou no brejo. Quebrou as duas pernas. Tive de vendê-la pro açougue”.

“Ah! Não brinque”. Bradou doutor Manoel. “Por quanto a vendeu?”

“Foi a conta de pagar o prejuízo que a Braúna deu. Tive de chamar o veterinário por conta de uma mamite que a pobre apareceu. Só de medicamentos foram gastos mais de dois mil reais. Ainda devo parte desta importância à cooperativa. Quando o senhor passar por lá por favor, não deixe de acertar”.

Na semana seguinte doutor Manoel acabou vendendo a propriedade. No negócio foi acertado que junto dela entraria o passe do caseiro Juvêncio. Apelidado Juvêncio Notícia Ruim. Epíteto mais do que merecido.

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