O Tiquinho a Tiquinho

Envelhecer faz parte da gente desde quando se nasce até o morrer.

Não existe fórmula mágica para deter os anos. Nem ao menos os desenganos.

Como a vida é colorida logo ao nascer. Um choro de vez em quando, um sorriso sobrevém depois, um balbuciar de palavras aprendemos com o passar dos anos. Sempre com a vigilância estreita de nossos pais.

Pena que tempo consegue mudar tudo isso. De bebês chorões convertemo-nos em crianças artiosas. E logo temos de ir à escola. E ninguém escuta ou dá trela aos nossos protestos veementes de continuarmos a brincar. E as brincadeiras mudam. Com o passar do tempo.

E quando a gente fica velho? Aparecem as doenças. A pele se torna enrugada como uma casca de abacaxi. A visão claudica. O andar titubeia. A fala muda de tom.

Aí, nesta fase da vida, se é que se pode chamar de vida, vem a morte, que sucede as enfermidades, e ficamos a mercê da idade, acamados num leito de hospital, ou de um asilo qualquer, esperando a hora da despedida, inglória partida, para um lugar ainda desconhecido, por certo cheio de anjinhos de asas branquinhas, como se fossem cuidadores de idosos, preparados para deixar-nos a vontade, ao lado de um ser superior.

Por falar em velhice como ela por vezes incomoda nesta fase da vida.

Por sorte minha ainda, embora tenha nas costas quase setenta anos, não tenho do que me queixar. Minha próstata ainda está controlada. Tenho absoluto controle da urina. Não tenho doenças maiores. Nem mesmo uma gripinha marota tem me feito ficar em casa.

Trasanteontem, noutro dia qualquer, passou-me pelo consultório um senhorzinho vindo da roça.

Seu Manoel era a simpatia em pessoa. Quem o trouxe foi uma filha mais nova. Dona Mariazinha demonstrava um carinho sem par por seu pai.

Enquanto ela me relatava as suas queixas Seu Manoel observava o aquário. De olhos embevecidos postados naqueles peixinhos dourados.

Ao perguntar-lhe a idade ele me respondeu, num muxoxo sem nexo: “qualquer um. Mais de cem”.

Na hora percebi que ele pouco entendia a razão da sua consulta. Nem ao menos sabia por que razão a filha adorada o trazia até mim.

Depois de meia hora de espera, de saber que o motivo da consulta versava sobre doenças da próstata, foi que Seu Manoel emitiu um sinal de estar vivo.

Inquiri ao mesmo como estava a urina. Se por acaso ela saía com a força de antes. Se ele urinava quantas vezes durante a noite. Se a cor da urina estava clara e transparente, sem nenhum resíduo.

Não foi fácil ouvir a impressão do consultante sobre o estado da sua bexiga. Ele falava devagarzinho. Pausadamente.

Ao final da consulta, depois de violar suas entranhas, de fazer o tal toque sem retoque, foi que dele ouvi esta frase curta: “Dotô, urino de tiquinho em tiquinho”.

Pai e filha saíram da minha oficina de trabalho assim como entraram. Devagarzinho, tiquinho a tiquinho.

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