E eu aqui, recontando saudades

Contam-se anos como se conta o tempo. Hoje não mais temos vinte anos. Amanhã os mesmos vinte se transformam em mais de cinquenta. Depois de depois de amanhã não sei por onde estarei.

Ontem era um menino. Brincando de calças curtas naquela rua que daqui se avista pelos fundos.

Logo depois este mesmo menino peralta viu alongarem-se os anos.  Desenganos vieram. Mas foram superados pelo viço dos anos.

Aquele jovem de pouca estatura foi ganhando idade. Sem perceber fui ficando mais velho. Até me transformar em adulto. Profissional da saúde. Profissão que até hoje abraço. Não com o mesmo entusiasmo de dantes. Talvez devido aos embates duros que até hoje enfrentei.

Além de contar anos conto saudades.

Daqueles verdes anos da minha juventude. Quando a responsabidade ainda não fazia abrigo dentro do que me tornei.

Que saudades eu tenho da minha infância perdida que os anos não dizem mais. Que saudades me cavoucam o peito daquela criança ingênua que o tempo levou.

Saudades eu tenho dos meus pais ainda vivos. Era ali, naquela casa de paredes tintas de saudade que eles moravam. Agora a mesma casa não mais abriga aquelas pessoas boas, que um dia se despediram de mim, sem o meu aceite.

Saudades me espetam a alma daquela rua de tantas lembranças ternas. E como ela se transformou.

Quanta nostalgia me espreita a cada passo do caminho. Tudo isso devido a tal sensibilidade. Sentimento que por mais que eu desejo não me deixa sozinho.

Recontar saudades é como despertar dentro da gente um passado não tão remoto quanto meus anos dizem. São quase setenta anos. Fazendo as contas desde quando a infância se despediu de mim perfazem mais de sessenta. Ou alguns anos mais.

Recontar saudade é como contar histórias. Das antigas namoradas, do rela do jardim.

Reconto saudade da mesma maneira que minha adorável mãe contava historinhas para mim. Quando ela me punha de castigo. Por alguma travessura brejeira. E eu, ainda menino, para me livrar do castigo pedia leite. Líquido branco que só aprendi a apreciar nos tempos de agora. Quando aquela criança não mais mora dentro de mim.

Reconto saudades daquela casa outra. Foi a primeira casa que construí. E como era grande aquela casa. Foi onde meus filhos nasceram. Hoje ela pode ser vista, embora devassada por alguns prédios altos, logo debaixo da minha janela, onde escrevo todas as manhãs.

Reconto tantas saudades que é quase impossível enumerá-las todas. Mas não posso me esquecer das férias de fim de ano. Naquela rocinha querida de umas tias avós, a fazenda da Cachoeira, onde tomei amor pelas coisas singelas, pela gente da roça, pelas vacas e suas crias, pelos cavalos que sempre amei, pelos cães pelos quais até hoje cultivo uma grande amizade, e principalmente pelos passarinhos canoros, que se sujeitam a viver presos nas gaiolas, pois não aprenderam a desfrutar a liberdade, sentimento que vive grudado dentro de mim.

Hoje, quarta-feira, cidade parcialmente vazia, véspera de feriado, dia nublado, triste, melancólico, estou aqui recontando saudades.

Podem dizer que em dias como este fico me carrego de nostalgia. Tomara logo mais o sol desperte. E inunde minhalma triste de alegria por ainda estar vivo, e poder recontar saudades, das tantas que me assediam por dentro.

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