Por onde anda?

De tanto andar, de tanto correr, acabei perdendo a noção de qual a distância percorrida, nesta altura da minha vida.

Comecei engatinhando. A seguir me pus de pé. Foram passinhos trôpegos, inseguros. Quantas quedas levei. Quantos machucadinhos banais marcaram-me a testa ancha. Quantas vezes meus pais me socorreram. E, quando eles mais precisaram eu estava ausente. Ocupado na lida de médico que ainda me ocupa a maior parte do dia.

Antes eram mais horas dedicadas a medicina. Com o tempo passando, com a idade chegando, agora me dou o direito de fazer o que me apraz. Exercito-me muito mais. Escrevo ao nascer das manhãs. Chego cedo a casa. Agora resido aqui pertinho. Junto a dois netos queridos. O Theo e o Dom.

Nesta manhã chuvosa, ainda chove de mansinho, o céu encontra-se acinzentado, presume-se que a chuva vai continuar durante todo o dia, antes das oito horas, quando o médico entra em cena, aproveito o tempo que me resta para pensar por onde andei.

Foi por aquela rua que daqui se avista pelos fundos, naquela casa que ainda mantém as janelas fechadas, que comecei o meu caminho. Ali vivi parte da minha juventude. Ali ensaiei meus primeiros passos pela estrada tortuosa da vida.

Contava exatos cinco anos quando para lá me mudei. Vim de Boa Esperança. Foi lá que descobri o mundo. A rua era outra. Bem perto do centro. Seu nome era Rua Coqueiral. O número da casa onde nasci era 155. Hoje, anos depois, redescobri que agora aquela mesma casa é a sede da casa da cultura de Boa Esperanca. Nem em sonho previa que a cultura faria parte uníssona de minha vida.

Por onda anda aquela garoto traquinas? Por onde andei eu, quando menino ainda?

Foi por aquela rua que daqui se avista, naquele clube que ainda frequento, ao cair das tardes, que costumava jogar tênis com meu pai. E outros amigos que não mais me fazem companhia. Eles partiram. Para um lugar desconhecido. Da mesma forma que meus pais se foram. Deixando nos seus rastros um uivo de saudade imensa.

Por onde andam os meninos da Costa Pereira. Hoje grande parte deles já são avôs. Como eu. E como é bom cuidar de netos. Vê-los crescerem. Até quando nos for permitido viver.

Por vezes me pergunto: “por onde andam meus companheiros de escola”?

Os que ainda vivem muitos já se aposentaram. Outros não mais estão por aqui. Tornaram-se estrelinhas iluminando o céu. Deixaram filhos, netos, saudosos de quando ainda eram vivos.

Por onde andam aqueles que comigo brincavam de pique- esconde? Talvez estejam escondidos nalgum lugar inimaginável. Quiçá entre as nuvens? Ou ainda brincando com algum neto que um dia vai se tornar adulto. Nesta caminhada costumeira que fazemos sem imaginar qual o caminho iremos seguir.

Por onde andam aqueles que junto a mim estudaram naquele mesmo colégio onde meu neto estuda? Não tenho o contato com a maior parte deles. Talvez em outra vida os encontre. Assim espero num dia incerto.

Por onde anda a infância que já passou? Bem sei que todos nós passaremos. Como também sei que o tempo levou-a pra longe. No meu caso foram mais de sessenta anos. Já que estou quase setentando. Logo enxergarei a infância distante por outro prisma. A da saudade que me cavouca as entranhas.

Por onda andaria aquela menina com a qual tive um namorico? Como era mesmo seu nome? Nem me recordo mais.

Por onde anda aquele cãozinho peludo? O qual me defendeu de ser mordido por um canzarrão enorme? E acabou morrendo durante a defesa do seu dono? Por certo sua alma vagabundeia no céu dos cães. Seu nome era Rebel.

Por onde anda aquele menino de cabelos lourinhos e encaracolados, muito parecido ao meu primeiro neto Theo? Que faz pose numa fotografia em preto e branco nos ombros do meu pai? Ele se transformou no idoso que sou eu.

Por onde anda a minha saudade? Por onde caminha a minha mocidade? Por onde andei eu?

Todos eles ainda estão por aqui. Andando por aqui e acolá. A espera que um dia a morte me venha buscar. Que seja num dia distante. Não tão distante que ainda possa assistir as lembranças se despedirem de mim.

 

 

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