Névoa densa da saudade

Nem sempre depois da tempestade desperta o sol. Dizem que após uma bruma densa o sol racha.

Hoje o dia amanheceu assim. Céu encoberto, uma neblina fumacenta encobre a linha do horizonte.

Parece, ao que tudo indica, que mais tarde o céu vai se tintar em azul. A chuva parece ter dado descanso. Depois de tantas tragédias que enlutaram o nosso país quem sabe tudo volta ao normal. Tomara as enchentes não aconteçam com tamanha magnitude. Não mais acontecimentos fúnebres nos façam entristecer. Que o país encontre seu norte. Que todos nós tenhamos motivos para comemorarmos. Não para nos lastimar.

Quantos amigos se foram. Quantos jovens perderam a vida em tragédias que poderiam ter sido  evitadas. Quantas famílias enlutadas. E quantas lágrimas derramadas.

Daqui do alto, de onde escrevo, mal se pode ver ao longe. Uma densa neblina recobre o lado de fora da minha janela. Edifícios, o casario baixo, mal se deixam ver.

Nesta sexta-feira, meados de março, poucos passantes se atrevem a acordar tão cedo. Alguns trabalhadores, neste final de semana que se anuncia, andam apressados rumo ao trabalho.

Março ameaça terminar como de começo. A crise mostra os dentes aguçados. Desemprego em alta, violência desmedida, mortes, enchentes, tudo nos faz crer que este novo ano tem tido um começo nada alvissareiro.

Daqui do alto avisto aquela rua. De tantas recordações singelas. Ontem passei por ela. No debrum da tarde, quase noite. Passei pela casa onde cresci em visita à querida Rosinha. Foi uma visita rápida. A seguir exercitei-me naquele clube costumeiro. Foram quase duas horas de exercícios pesados. A esteira foi testemunha do meu suor derramado.

Ainda me lembro da minha infância perdida. Quando aquele clube ainda mostrava um trampolim. Eu e ele temos a mesma idade. Somos nascidos há quase setenta anos.

Ele continua cada vez mais remoçado. No entanto eu não tenho como sonegar as rugas que me passarinham pela face.

A casa onde cresci, não onde nasci, conserva dentro dela os mesmos ambientes. Uma sala ampla. Uma varanda de frente pra rua. Dois quartos na parte de cima. Dois cômodos de banho. Uma copa cozinha conjugadas. E, no subsolo, quase sempre fechado, existe ainda uma pequena sala, onde foi o escritório do meu pai. Hoje a velha Facit lá não está. Tomei-a por empréstimo. Agora ela está comigo em algum lugar. São velhas lembranças que me permito guardar. O outro quarto conserva alguns detalhes de quando meus pais eram vivos. Um banheiro que não mais é usado, uma cama tomada pelos cupins, e uma penteadeira gasta pelo tempo. Aqueles ambientes conservam intocáveis mais lembranças dos meus pais.

Agora, quase sete da manhã, o sol começa a sair da sua cama de nuvens. Ele acordou sonolento nesta sexta- feira quinze de março. Logo ele renasce. Como espero renascerem as esperanças de um Brasil melhor.

Este final de semana que se avizinha parece ser pleno de sol. Pois, segundo um dito popular – depois de uma neblina baixa  o sol racha.

Inda agora a névoa não se desfez por completo.

A Rua Costa Pereira ainda não se deixa ver por inteiro.

Olhando aqui do alto, a mão esquerda, mal se pode ver a casa dos meus pais. A neblina turva-nos a visão. Quase por completo.

Mais tarde ela por certo se desfaz.

No entanto, sem que nada possa fazer, a névoa densa que recobre minhalma nunca vai se desvencilhar do meu cerne. Trata-se de uma névoa densa de saudade. Que não desejo jamais que se desprenda de mim.

 

 

 

 

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