Zé do Trumbuco

Não é de hoje que aprecio gente da roça.

São pessoas simples, mãos caludas, tezes testadas pelo sol, que acordam ao cantar do galo, não jogam o tempo pela janela e logo vão ao trabalho, depois de lavar o rosto, pentear os cabelos desgrenhados, tomar um café requentado na trempe do fogão à lenha cujas brasas ainda crepitam, nem tempo têm de lavar as xícaras, pois no curral enlameado esperam famintas algumas vacas sem pedigree, com as tetas por onde escorrem o leite quentinho, e, no bezerreiro ao lado as esperam bezerrinhos famintos, ávidos por entrarem na sala de ordenha, depois de amarrados às pernas das mães chupam o que restou do leite, para a seguir serem apartados das genitoras, sem a menor desfaçatez dos seus donos.

Alguém disse, num passado perto: “Paulo Rodarte é um homem urbano com o coração escondido na roça”.

Concordo ipsis litteris.

Assim o é.

Pena que ainda não posso viver na roça. Embora tenha gosto por tudo que lá encontro não me sinto capaz de fazer tudo que lá se faz.

Aos sábados via de regra passo os finais de semana naquela rocinha prejuizenta.

Ali saboreio os canarinhos da terra ciscando o esterco do curral. As maritacas grasnando alto quando é tempo de jabuticabas maduras. As vacas deixando o curral depois da ordenha. Sinto o cheiro de silagem de milho fresca. O odor adocicado do esterco curtido, produto cobiçado pelos cafezais.

Quando ando a cavalo me esbaldo pelas pradarias. Faço visitinhas rápidas aos vizinhos de pasto, que nunca me recusam um cafezinho passado na hora. De vez e quando faço uma catira de uma vaca solteira por outra de bezerrinho novo. Quase sempre levo manta. Mas não reclamo. Com o tempo acabo aprendendo identificar uma vaca maninha por outra em ponto de ser coberta. Como invejo aquele touro, bom reprodutor, que tem sob sua corte novilhas novinhas. Ah!, se eu pudesse! E minha esposa permitisse. Não que trocaria a minha linda mulher por uma vaca qualquer. Mas que dá vontade lá isso dá.

Ontem mesmo, por aqui passou um senhor, de cerca de quase a minha idade.

Depois de uma entrada envergonhada pela minha sala ele anunciou seu nome: “Zé do Trumbuco”. Esbravejou ele. Logo ele se pôs a vontade.

Não foi fácil tirar dele o motivo da consulta. Ele divagou, esperneou, mas acabou entrando nos finalmente: “doutô, minha muié exigiu que eu fizesse o tal exame. Num me lembro da úrtima vez que fui ao médico. Tamém num sinto nada. Tenho saúde de ferro. Quando criança tive catapora. Mas foi só”. “Ah! Ia me esquecendo. So roncoio do bago esquerdo. Mas num me impidiu de ter uma penca de filhos. Contando nos dedos são mais de dez. Que eu saiba”.

Depois de uma hora e meia de prosa boa, de escrutinar as entranhas nunca antes violadas do consultante, ficamos amigos.

Zé do Trumbuco, dono de uma pequena propriedade no município de Nepomuceno, um arraiarzinho, segundo ele, felizmente trazia sua próstata em dia. Nem foi preciso receita. Apenas algumas risadas boas.

E ele me prometeu, no retorno, trazer-me um frango caipira. Não sei o que irei fazer com o regalo.

Agora, com esta chuvinha mansa, imaginei onde estaria meu amigo Zé do Trumbuco. Decerto enfiado naquele curral barrento. Tirando aquele leitinho branco da Braúna ou da Merendeira. Suas vacas baldeiras.

Um dia, quem sabe? Tomara ainda possa viver na roça. Curtindo minha aposentadoria.

Ali, por certo serei mais feliz ainda. Em meio à gente simples do lugar e seus bichos de estimação. Escrevendo as minhas histórias. Contando meus causos. Devaneando sobre felicidade genuína. Que na cidade não encontro. Infelizmente, ainda.

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