O dia em que a chuva chorou, e me fez chorar junto…

Aquele verão seco estava sendo difícil para quem vive na roça.

Desde há cinco meses passados nada de chuva despencar do alto.

O céu, sempre azul, o sol de escaldar miolos, era o panorama que no alto se via. O calor se tornava cada vez mais insustentável. Para dormir, afugentando os pernilongos, sempre zumbindo nos ouvidos, nem mesmo um ventilador dava conta daquela missão impossível.

A janela tinha de permanecer sempre aberta. Caso ela fosse fechada o calor seria mais forte ainda.

Toda a família do Tiãozinho do Aristeu, esposa, duas filhas, e um único varão, eram os encarregados das inúmeras tarefas que começavam bem cedo.

As duas filhas, morenas de fazer corar o mais recatado mancebo, eram as que cuidavam da casa. E como eram caprichosas as duas mocinhas casadoiras. A mais velha sempre dizia: “na roça mulher não tem serventia. Por isso, quando puder, vou me mudar pra cidade”. E assim passavam os anos. E as duas mulheres feitas continuavam solteiras, na roça dos pais.

Já o filho varão, quem ajudava ao pai a cuidar das vacas, passava todo o tempo em dali se mudar. A vida na roça não o apetecia. O sonho do jovem Gilmar era ser eletricista. Foi o que aconteceu num futuro próximo.

Naquele inverno, não muito frio, nem quente ao exagero, a chuva teimava em se ausentar.

Todas as manhãs, madrugada afora, Tiãozinho olhava pra cima e só via o céu azul e o sol nascendo por entre as nuvens brancas. Nenhum indício de que iria chover. Apenas o sol brilhava desde cedo. E o azul do céu contrastava com a vontade do pobre Tião que a chuva voltasse a tintar de verde a pastaria.

Era tempo de arar a terra. Novembro era época de plantio.

Novembro se despediu. Mesmo na ausência de chuva o estoico Sebastião, chamado de Aristeu por descendência do pai de mesmo sobrenome, decidiu plantas as sementes de milho que lhe custaram os olhos da cara.

Com a ajuda de um vizinho de cerca, caboclo trabalhador, que possuía alguns tratores com todos os implementos, Tiãozinho, esperançoso de que a chuva não tardaria mais que alguns dias, na terra lançou as sementinhas de milho. E passou dias e dias a espera da chuva tão sonhada.

No entanto, contrariando as previsões da meteorologia, nada de chuva. O céu continuava na sua azulice costumeira. E o sol brilhava no alto, esquentando mais a cabeça do infeliz Tiãozinho do Aristeu.

A esposa dedicada passou a ser a escora onde Tiãozinho amarrava a sua égua. Era ela quem cuidava da casa. Na ausência das filhas, que se bandearam pra cidade, Dona Vanda era que fazia de tudo um montão de coisas.

Acordava antes do marido. Arrumava o quartinho sempre de janelas abertas. Fazia sua breve oração. Sempre agradecendo ao Painho do Céu as graças alcançadas. Pedia pelas filhas. Orava pelo filho Gilmar. Que naqueles tempos já trabalhava na cidade. E assim começava o dia da dona Vanda. Atenciosa senhora que sempre me recebia com um sorriso aberto quando por lá aparecia. Nas orações da dona Vanda sempre havia lugar para suplicar que a chuva não tardasse tanto. Mas, parece que naquele ano ingrato o paizinho do Céu da dona Vanda não atenderia ao seu pedido.

Um mês se fez ausente desde quando Tião na terra lançou as sementes.

A cada manhã, depois de ordenhar as vacas, e sempre olhar pro céu antevendo a chuva, Tiãozinho, já descrente da sua chegada, chorava copiosamente.

Depois de alimentar as vacas, dona Vanda cuidava da limpeza dos latões de leite, assim que o caminhão leiteiro desaparecia na estrada, mais um dia, a noite descia lenta, e nada de a chuva dar o ar de sua graça.

Passaram dois meses. Dezembro já se despedia da gente.

O velho Tião, desiludido com a safra deste ano, já desesperançoso com a chegada da chuva tão benvinda, de repente, num sábado do qual se lembra como se fosse hoje, o céu tintou-se de cinza.

Desabou uma aguaceira vinda das nuvens pretas. A chuva chorou, num átimo de segundos.

Foi quando por ali passei. Parei a caminhonetinha na esperança de apertar a mão do amigo Tião.

Foi quando ele, com os olhos molhados de lágrimas, me disse, depois de apertar-me a mão: “Meu amigo doutor Paulo. Viu! Não disse que iria chover. De repente a chuva chorou. E eu quase chorei junto”.

Despedi-me do amigo Tião, apertando-lhe mais uma vez a mão, dizendo que estava tão feliz quanto ele. Só não chorei junto para não causar má impressão. Mas deveria ter chorado – lágrimas de pura satisfação.

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