Tomara possa ver

Hoje, bem cedo, ao subir pelo elevador do meu prédio, antes das seis da manhã, um senhorzinho, bem idoso, de olhos tapados por óculos escuros, agradeceu-me o auxílio quando junto subi, já que o pobre deficiente visual não poderia jamais ir solitário ao médico especialista, para tentar pelo menos amenizar-lhe a desdita, e, quem sabe, depois da consulta, voltar a enxergar novamente.

Tomara que ele consiga realizar seu sonho. Já que eu, felizmente dotado de uma visão quase perfeita, ainda consiga ler nas entrelinhas o sentimento de alívio quando alguém, desprovido  da visão,  volta a enxergar o mundo tão lindo que se mostra do lado de fora da minha janela.

São tantas coisas que se deixam ver.

O balé das nuvens agora cinzentas. O azul do céu que ainda não acordou. Os olhinhos dos meus netos que por certo estão dormindo. O despertar do sol. O voo dos pássaros em formação. Tendo um líder a indicar-lhes o caminho. O desabrochar da flor que de botão se transformou em flor aberta. O acordar da avozinha depois de um sono tranquilo. Afinal são  tantas coisas lindas que se deixam ver. Basta estarmos de olhos abertos. Para podermos enxergar o mundo de olhos preparados para separar a beleza da falta dela. A pobreza da opulência. Da miséria que infelizmente nos cerca. Mercê  da falta de sentimento das pessoas. Que infelizmente não têm  o dom da sensibilidade, e permanecem de olhos fechados a desgraça que abunda neste mundo tão díspare.

Tomara ainda possa ver, nos anos que me restam, a violência ceder lugar a paz. A pobreza minorar. As pessoas que vivem a margem da sociedade de repente se equipararem as demais.

Tomara possa ver, de hoje em diante, o sorriso da criança ao receber o presente tão esperado. Depois de tantos natais passados em branco. Pois os pais, desempregados, sem poder trazer a casa o sustento da família, passam dias e dias andando a esmo, na esperança de outra vez voltar ao mercado de trabalho.

Tomara ainda possa assistir, neste país maravilhoso, não apenas notícias ruins, desastres, tragédias provocadas pelos homens, assim como a honestidade voltar, a miséria terminar, bem como as pessoas viverem felizes, amistosamente, naquele convívio ameno, tão bom de se presenciar.

Tomara ainda possa ver, antes que me despeça desta vida, os filhos respeitarem os pais, reunindo-se naquela mesa farta, sem as inevitáveis discussões da hora do almoço.

Tomara ainda possa assistir, feliz da vida, os netos pedirem a bênção dos avós, depois de um abraço carinhoso, antes de dormir, para no outro dia irem à escola na intenção pura e simples de aprender.

Tomara me permitam ver, antes que a morte me venha buscar, ao andar pelas ruas, bem cedo, como sempre faço, os passeios livres de andarilhos, sem que mendigos tenham de usar as ruas para passar a noite.

Tomara ainda possa presenciar, com estes mesmos olhos que enxergam tanto, a palavra corrupção banida dos dicionários. Que não mais se escute que este ou aquele político recebeu propina, que enricou da noite pro dia, quando seu papel seria representar os nossos anseios de mudança, tomara esteja vivo quando este dia chegar.

Tomara ainda, são tantos desejos manifestos, que eu possa ver, neste céu ainda cinza, borboletas voarem, pássaros trinarem, o sol se levantar, a chuva serenar, e todos juntos, num só desejo, irmanadamente, que o país encontre seu rumo. Que o novo governo, recentemente empossado, realmente consiga atingir seus objetivos.

Tomara, de hoje em diante, felizmente, minhas palavras não fiquem apenas neste texto. E se tornem não apenas uma utopia. E sim que se realizem meus sonhos. Que também são os mesmos seus.

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