Não sei se terei tempo…

Quando a gente fica velho como se da valor ao tempo.

Já não mais temos vinte anos. Não somos crianças também.

Deixamos a infância de lado. A vida se esvai pouco a pouco. Com a velocidade do vento. Da chuva que cai mansamente. Deixando atrás um rastro de saudade do que passou, e infelizmente não volta jamais.

Agora, prestes a completar setenta anos, corro contra o tempo. Não tanto como corria nos verdes anos. Tentando abraçar o mundo com meus braços ainda jovens.

Naqueles idos anos acordava a mesma hora de hoje. Só que quase não tinha tempo para escrever. Ia direto ao hospital. Na intenção de começar os trabalhos do dia. Eram dias de intensa labuta. Operava nos três hospitais. Ao cair das tardes voltava a casa bem tarde. Exausto, ainda preocupado com as cirurgias feitas no decorrer do dia. E quantas vezes voltava ao hospital, durante a noite, para reoperar os casos que complicavam. Naqueles anos de começo de profissão tomei aversão ao telefone. Ainda não existiam os celulares. Já hoje não me preocupo tanto com eles. Raramente alguém me liga para me chamar durante a noite para atender a algum paciente. Agora, que não sou tão moço, jovem profissional da medicina, deixo esta incumbência aos iniciantes na arte de curar. Talvez seja merecedor desta opção. Afinal passaram mais de quarenta anos neste vai e vem. Embora ainda longe da aposentadoria faço apenas o que me satisfaz. O que não me apraz deixo de lado. Antes que alguma enfermidade incapacitante não me permita mais correr, ter o devido descanso, exercito não apenas a minha mente, bem como meu corpo ainda saudável. Apesar dos meus quase setenta anos.

Meu neto mais velho conta hoje com dois anos e meio. Logo ele vai crescer. Theo tem um longo caminho pela frente. Espero acompanhá-lo por muitos anos ainda.

Já o Gael ainda não completou um aninho de vida. Mas já prenuncia um futuro alvissareiro.

O Dom, nascido há menos de dois meses, tomara tenha o dom de me fazer sorrir ao vê-lo engatinhar. Como avô tomara possa acompanhar-lhes os passos. Para que ele não se machuque durante seu andar titubeante, inseguro como foram os meus, naqueles anos quando aprendi a caminhar.

De repente, neste dia começo de fevereiro, seis para ser preciso, acordei pensando no tempo.

Tomara tenha tempo para acompanhar meus netos em suas andanças pela vida. Pelo menos durante o tempo em que precisarem de mim.

Não sei se terei tempo de vê-los formados. Quando o Theo tiver quinze anos já terei passado dos oitenta e cinco. Quando ele estiver com mais de vinte estarei beirando os noventa.

Seria muita pretensão viver tanto tempo. Mais desejo, com o coração a larga, que pelo menos possa ver os três felizes e quase emancipados.

Não sei se terei tempo de presenciar-lhes o casamento. Ah, isso seria muita pretensão de minha parte. E seus filhos, meus bis, quem sabe o que há de vir neste tempo tão longínquo?

Bem sei que o tempo conspira contra mim. Mas, sonhador que sou, deixo aqui, nesta crônica de hoje cedo, o quanto desejaria viver um pouco mais para vislumbrar um cadinho de tudo que desejei, desde quando a velhice se antecipou a minha mocidade.

Não sei se terei tempo, contra tudo e contra todos, pensando em adiar a minha despedida, deste mundo que tanto me apraz, quem sabe terei todo o tempo do mundo para afastar a morte. E acompanhar por anos e anos mais, a mocidade ver o nosso país encontrar seu rumo. Agora infelizmente perdemos o prumo. Espero ver tudo mudado. Da cabeça aos pés.

Tomara tenha tempo de admirar outros despontar do sol. Por anos e anos a fio. Que ainda me reste tempo para ver o cair da chuva. E o nascer das estrelas. Que tenha tempo para decidir, ainda lúcido, quando vou parar de sonhar, e enfim deixar de existir. Oxalá tenha tempo para antever o lusco- fusco do vento. E tomara tenha tempo para assistir, ainda com a saúde em dia, quando meus netos precisarem de mim, tomara não para me levar numa cadeira de rodas, eu mesmo gostaria de empurrá-los morro acima, com as forças que me restarem, tomara continue a sonhar, como agora.

Ignoro se terei tempo, bem sei que ele conspira contra a idade que conto agora, se poderei satisfazer ao seus anseios, encaminhando-os durante a longa jornada que eles ainda terão pela frente. Sei ainda que seus pais têm mais chance de conseguir tal empreitada.

Não sei quantos anos terei adiante. Que sejam tantos quantos a minha vida permitir. Mas, desejo sim, que os anos que me restam, sejam pródigos em saúde. Sei ainda que um dia, mais cedo ou mais tarde, quando estiver velho, alquebrado, ainda seja capaz de decidir o que vai ser melhor pra mim.

Tomara tenha tempo de ver, com meus próprios olhos, o sorriso dos meninos. As travessuras que eles fazem. Tomara seja partícipe delas. Por muitos anos ainda.

Já que não sei quanto tempo me resta de vida, que pelo menos ignore quando vou me despedir da vida. Como é bom sonhar. Viver de ilusão, melhor ainda.

Deixe uma resposta