Qual seria a razão de viver?

A gente nasce, cresce, envelhece, sobrevêm as enfermidades, e de repente, não mais que num repente, passamos ao outro lado da vida, sem saber o que nos espera.

Envelhecer faz parte do viver. Tornar-se adulto compõe o contexto da vida. Ah se a gente pudesse prolongar a infância, ficar tal e qual Peter Pan, um garoto que nunca cresceu, como seria bom viver sempre como criança, entregue as ilusões da doce infância, acreditando num Papai Noel que aparece sempre uma vez ao ano, trazendo brinquedos que são espalhados debaixo da árvore de Natal.  Pena que este Papai Noel um dia desaparece de nossas lembranças, pois de repente de meninos nos tornamos jovens, e os jovens não têm tempo de repensar nos bons tempos de antes, pois agora a vida os conclama a se tornarem pessoas responsáveis, pois é chegada a hora de ganharem o mundo, pois a vida passa, o tempo ultrapassa os indeléveis momentos, de quando éramos crianças, acreditando piamente nas histórias da Carochinha.

Hoje acordei a mesma hora de costume. O céu ainda se mostrava escuro. O relógio do meu celular mostrava antes das seis. Era hora de ir ao trabalho. A criança que morava em mim já se foi faz tempo. Mas não está perdida no esquecimento. E como me lembro, com saudades, do eu menino, lourinho como meu netinho Theo, que agora dorme como dormiria um anjo.

Neste dia, cinco de fevereiro, dia lindo, agora o sol já deixa o seu leito entre as nuvens para iluminar a terra com seu clarume ofuscante, acordei pensando no porque vivemos, uns mais, outros menos. Parece que mais tarde não vai chover, apesar do quanto a chuva é necessária à fertilidade do solo, para enverdecer o verdume dos pastos, para engordar as nascentes, para que a água não deixe nunca de brotar da terra, pois ela é vital ao nosso desenvolvimento já que somos a maior parte água, a outra apenas partes moles misturadas a dureza dos nossos ressentimentos.

Qual seria a razão de viver?

Depois de tantos anos, ao final do ano estarei setentando, não chego a conclusão do porque nasci. Foi por inspiração dos meus pais. Foi graças ao amor deles dois que aqui cheguei.

Mas, pensando durante tantos anos, qual seria o motivo principal que me trouxe ao mundo? Simplesmente para viver? Para crescer? Para deixar a infância do lado? Para me tonar o que me tornei? Um médico já experimentado, ainda iludido com um mundo melhor?

São muitas as razões para estar vivo ainda. Pois, caso pensasse que nasci apenas para morrer, um dia, impresumível, não teria nascido. Muito menos crescido. Nem ao menos trabalhado tanto, nestes quase setenta anos de vida.

As razões de eu ainda estar aqui são inúmeras. Primeiro por ter me criado numa família que sempre me deu suporte. A seguir tive a sorte de estudar tanto.  Ter me casado foi outra graça alcançada. Meus filhos são a continuação do que sou. E meus netos o ápice da glória. Por eles, e neles, me rejuvenesço. Faço de conta que a criança que vivia em mim não morreu. Simplesmente reapareceu. Na forma deles três.

Outra razão de viver com certeza é a dúvida de quando irei morrer.

Caso soubesse quando esta efeméride iria acontecer colocaria em questão qual seria a razão de viver. Ninguém nasce pensando na morte. Pensamos simplesmente em olhar o clarume do sol, o despertar das manhãs, no cair da chuva, no farfalhar do vento, no sorriso da criança, no cansaço que se apodera de nós ao fim do dia, depois de um dia exaustivo de trabalho.

São tantas as razões para viver. Para deixar a vida, nem vale a pena pensar.

Hoje conto os minutos que ainda viverei. Conto as horas por que passei. Afinal são quase setenta anos. De puro encanto, desencantos e fugazes deslumbramentos.

Se fosse fazer uma lista de todas as razões por estar vivo, ao admirar o dia que hoje se faz, sol a ofuscar-me os olhos, a inspiração maiúscula que me cavouca a alma, a família que me acompanha, a saúde que ainda tenho, todas as graças que me foram ofertadas graciosamente, sem que tenha pedido, a tal lista se estenderia indefinidamente.

Além da minha compreensão de simples mortal.

Agora são sete e meia desta mesma manhã. A partir das oito encerro meu lado escritor. Para recomeçar amanhã. Tomara depois de depois de amanhã. Enquanto a vida me for dada de presente. Como um regalo dos céus.

São tantas as razões de estarmos vivos, que só tenho a agradecer por mais um dia. Dos tantos que ainda terei pela frente. Conscientemente aqui deixo meu testemunho do quanto sou feliz por estar vivo. Até que a morte venha me convocar para deixar este lado de cá. Para viver outra vida. Não sei quando este fato se dará.

Se me perguntarem qual a razão de viver, simplesmente deixo escrito-vivo. Alegre por estar vivo. Na companhia de todos vocês.

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