João Madruga e as esperanças de um ano novo

Como de costume, antes do cantar do galo, João despertou com a mesma disposição de sempre.

Tomou um café requentado. Lavou o rosto na pia naquela água fria nascida na mina. O leite quente foi tomado direto nas tetas da vaca. Saiu de casa apressado pois estava atrasado para as tarefas costumeiras de cada dia.

Em primeiro lugar tinha de ir ao curral. Ali o esperavam famintas mais de trinta vacas baldeiras. O relógio, dependurado na tábua da porteira, mostrava cinco e meia da manhã.

Terminou a ordenha antes das sete. Um pouco atrasado. Já que, no dia anterior, antes das seis já havia terminado de alimentar as vacas. Sempre famintas. A espera de se fartarem no cocho cheio de silagem de milho recém-depositada naqueles cochos enormes.

João era um madrugador contumaz. O ano que se despediu não trouxe boas lembranças aquele homem do campo.

O preço do leite caiu. A dívida com o banco não foi paga no tempo certo. A melhor vaca do rebanho acabou atolada no brejo. O trator enguiçou. João não tinha recursos para o conserto. E a ferramenta tão necessária continuava parada na porta da casa. Sem perspectiva de ser consertada.

Mas, como João estava acostumado aos percalços da vida na roça continuou a rotina com a mesma cara boa de sempre. Afinal foi ali que nasceu. Criou-se, de menino arteiro virou adulto responsável e sempre correto. Para ele um aperto de mão valia mais do que uma centena de notas promissórias. Como João Madrugão sofreu por não poder pagar o débito com a casa bancária.

Era janeiro em seu começo. O ano novo começou enchendo o peito de João de esperanças renovadas. Afinal um presidente novo tomou posse no dia de ontem. Compromissado em mudar a vida de todos os brasileiros. Foi nele que João depositou não apenas o voto como a esperança de dias melhores.

Aquela manhã de três de janeiro choveu um bom bocado. O céu amanheceu cinzento.

O valente homem da roça acordou com um ótimo pressentimento.

Certamente as coisas iriam mudar. A roça de milho, recém-plantada, iria crescer e encher o silo até a boca. O preço do leite por certo iria aumentar.

Foi com estas certezas que João começou o trabalho naquela manhã abençoada.

Uma semana se foi. A chuva serenou. A roça de milho não vingou. Um veranico não esperado foi a causa da danação da lavoura.

Ao contrário do esperado o preço do leite nunca esteva tão baixo. O trator não pode ser consertado. A dívida com o banco foi às alturas.

Mas a esperança não morreu. Continuou firme como o desejo de João de as coisas melhorarem. Era preciso dar tempo ao tempo. Era ainda janeiro em seu começo.

Fevereiro chegou. Joao Madrugão continuava na sua rotina costumeira. Acordava antes do canto do galo. Lavava o rosto na água fria da mina. Tomava um café requentado. Quando tinha um pão amanhecido era com ele que matava a fome. E saía cedinho para ordenhar as vacas.

Naquela manhã, depois das tarefas feitas, João teve de ir à cidade.

Juntou todas as economias guardadas dentro do velho colchão de palha e foi ao banco pensando em saldar a dívida. Ledo engano. O gerente, mal encarado, a ele informou que a importância trazida mal dava para pagar os juros. O débito com o banco orçava em mais de cinquenta mil reais. E o empréstimo pedido ao banco foi de apenas dez mil reais.

João voltou à roça com uma mão na frente e a outra enfiada ao bolso. Um bolso furado. Vazio de dinheiro. Mas com o coração repleto de esperança em dias melhores.

Assim que se viu na roça deu de cara na porteira com uma surpresa inesperada. Um bando de ladrões de gado havia levado todas as reses que restavam. Não sobrou umazinha sequer. Para contar a triste história. Inclusive trator avariado foi levado. Na estradinha barrenta se podiam ver os rastros por onde o caminhão passou.

João juntou o resto de esperança que ainda tinha. Persistiu na lida. Comprou nova boiada.

Como não tinha recursos a compra ficou para um futuro incerto.

O mês de fevereiro passou como um raio. No meio dele aconteceu o carnaval.

Já desanimado com a situação vigente, sujeito a toda a sorte de percalços, o estoico João seguiu adiante.

Afinal era um ano novo. A sorte com certeza iria melhorar.

Mas, como nem tudo que reluz é ouro, mais uma vez João viu o chão desabar.

As duplicatas acabaram vencendo. A dívida com o banco tinha de ser paga antes do fim do mês. E como fazer acontecer? Se nem renda tinha mais?

Numa tarde sonolenta uma notícia ruim lhe foi dada pelo carteiro. Caso João não pagasse a dívida perderia a pequena propriedade. E foi assim que sucedeu.

De repente João se viu no olho do nada. Foi despejado de onde morou numa manhã de sábado.

Teve de se mudar pra cidade. Sem nenhuma perspectiva de voltar a vidinha simples de antes.

Numa manhã de março João amanheceu debaixo de um viaduto. Alguns ladrõezinhos pés de chinelo levaram-lhe os últimos pertences. Foi preso por vadiagem. Justamente ele. Trabalhador compulsivo e cônscio dos seus deveres.

Na manhã seguinte João acordou com um estranho pressentimento. Sonhou que havia retornado à roça. Que tudo mudou, de repente.

Mas tudo não passou de um sonho.  O que realmente aconteceu não termina aqui neste triste relato. João passou para a história como mais um triste personagem entre os tantos que aqui vivem. Desencantados com a triste realidade. Nada mudou na vida do pobre João.

As esperanças de dias melhores terminaram em nada. Tomara que eu esteja errado.

 

 

 

Deixe uma resposta