Relembranças

Dizem que ano morto vida nova começa.

Assim tem sido há anos e anos.

Termina um. Recomeça outro. Esperanças renovadas de uma vida melhor.

Da mesma forma que durante a nossa existência pessoas deixam de viver outras ocupam seu lugar. Não fosse assim o que seria do planeta? Um amontoado de gente. Um tropeçando no outro. Gente se acotovelando nas ruas. Escasseariam os alimentos. Tantas bocas famintas sentindo na pele o desprazer de não ter como se alimentar.

Estamos no acender das luzes de um ano novo. Ontem foi celebrado o primeiro dia de um novo ano.

Já hoje recomeçamos a trabalhar. Janeiro é tempo de recomeço.

Pra muitos dois mil e dezoito não foi um ano fácil. A crise mostrou os dentes raivosos. A corrupção foi assaz comentada por todas as partes. De norte a sul, de leste a oeste, não se falou noutra coisa. Malas de dinheiro, políticos recebendo propinas, muitos foram presos. Tomara eles todos fiquem um bom tempo privados da liberdade. Que é o bem maior que conhecemos.

Em boa hora um ano novo começa. Com ele novas esperanças se acendem. E que o nosso povo, estoico e resignado, consiga achar seu lugar ao sol. Esse mesmo sol que hoje incendeia o segundo dia do ano. Com sua luz amarela da cor do ouro.

Desde que me entendo por gente tenho apagado lembranças. As melhores as tenho guardado aqui dentro. Já outras, aquelas que me causam tristeza, acho melhor deletá-las dos meus pensamentos.

Ainda menino me lembro do quanto meus pais foram importantes para o meu crescimento.

Fato notório, dispensa maiores comentários, sem eles não existiria. Não teria a oportunidade de me tornar adulto. Nem ao menos a chance maravilhosa e única de poder ter entre os braços meus netos.

Estas lembranças de quando eles nasceram jamais gostaria de apagar. Ao revés. E sim perpetuá-las eternamente enquanto me derem a chance de viver.

Entretanto, para quebrar o encanto, outras recordações faço questão de apagar. Quando meus pais adoeceram . E terminaram seus dias em meus braços. Impotentes de tê-los junto a mim por mais tempo.

Por outro lado, na intenção de não apagar lembranças, com que felicidade vi meus três netos nascerem. Primeiro foi o Theo. A seguir Gael. Em menos de uma semana tenho junto mim, aqui pertinho, o mais jovenzinho, o Dom.

Quantas lembranças felizes me passaram pela memória.

Caso fosse nomeá-las todas a lista seria enorme.

A festa de quinze anos da minha filha. A mãe do Theo e do pequenino Dom.

Ainda me lembro daquele pequeno livro que foi distribuído aos convidados. Era uma coletânea de versos- de nome “Indefinições”.

Um daqueles poemas dizia assim: “ que pressa é essa? Que sede é essa? É dor a beça. Que saudade é essa? De você… de mim… enfim sós”…

Quando meu filho se estabeleceu como profissional das leis foi outra data inesquecível. Hoje ele cuida do primeiro filho. Que lindo menino é o Gael.

Quando minha Bárbara graduou-se em jornalismo com que alegria a este evento compareci. Pensei, cá comigo, que minha pequena jornalista iria trilhar esta linda carreira. Mas ela preferiu ser mãe. Mas de vez em quando ela ainda escreve. Com maestria. Talvez seguindo os passos do pai.

Ainda me lembro da minha infância. Foi naquele colégio de uniforme verde de branco que passei os melhores anos de minha vida. Estas lembranças não apagarei jamais.

Quando aqui cheguei, vindo da Espanha, para começar vida nova, que boas lembranças daqueles anos ainda trago dentro de mim.

Foi naquele hospital, perto de onde tenho o consultório, que ensaiei meus primeiros passos na medicina. Confesso que não foram fáceis os primeiros anos. Me desdobrava entre os três hospitais. Quantas noites insones passei. Quantas cirurgias. Quantos sucessos. Quantos pacientes curados. Quantos deixaram o hospital agradecidos pelo tratamento recebido. E quantas vezes a morte encarei.

Não sei por quantos anos mais continuarei a apagar lembranças. A maior parte delas não desejo olvidá-las. Para isso conto com minha memória. Que ela continue afiada como o fio da navalha. Para que ainda consiga enumerar todas elas. Até que a morte me venha buscar.

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