Daqui de cima percebo a névoa densa da saudade

Como seria a cara da saudade? Como seria seu corpo? Teria ela, por acaso, a idade mostrada pelo tempo? Seria a saudade velha? Da mesma forma a saudade seria feminina? Uma linda mulher ou um decano ancião?

Foi na manhã de hoje, janeiro em seu começo, depois de uma noite chuvosa foi que pensei, pela primeira vez, qual seria a maneira melhor de definir saudade.

Sei, de antemão, que ela não se manifesta em outros idiomas. Nem que saudade pode ser mesurada simplesmente em polegadas ou outras unidades métricas quaisqueres.

Ela simploriamente pode ser sentida. Um sentimento misturado à dor devido à falta de alguém que nos deixou faz tempo. Este sentimento nos assalta a qualquer hora do dia. No meu caso principalmente ao acordar. Entrar no consultório. Bem cedo de manhã.

Antes das sete o prédio está vazio. Ao revés do que acontece dentro do meu peito, lá no fundo, no âmago, via de regra lotado de saudades, e outros sentimentos peculiares aos sentidos.

É quando a inspiração me assalta. Não de armas em punho. E sim devido à necessidade imperiosa que me faz escrever sempre.

Daqui do alto, olhando pela janela, do sétimo andar, um lindo dia se mostra.

Uma nesguinha de sol se deixa ver por entre as nuvens. Parece que a chuva vai dar trégua durante o dia de hoje. O asfalto molhado logo seca. As árvores do jardim respirando o resto de chuva que caiu durante a noite.

Mais abaixo, do lado esquerdo onde meus olhos apontam, a serra mais verde fica encoberta por uma névoa densa. Quase não se percebe o casario baixo que descansa sob a neblina cinzenta que amanheceu no dia de hoje.

A casa que me viu crescer permanece de janelas fechadas. Lá dentro mora um anjo. De nome Rosinha. Agora ela ainda dorme. Sendo cuidada por pessoas que a amam quase com a mesma intensidade com que meus pais a amavam. E cuidam dela com carinho e desvelo.

Ontem, no debrum da tarde, passei por lá. A querida Rosinha não estava num dia bom.

Bem a conheço. De quando em vez ela fica assim.

A senhora que faz o papel dos meus pais ausentes me explicou que Rosinha tem momentos de inquietude. Nestas horas é melhor esperar que a alegria retorne aquela casa de tantas lembranças ternas. De quando eu ali morava. Na companhia dos meus pais e de meu irmão mais jovem.

Hoje, depois de uma noite curta, como de costume não faço questão de ficar na cama por mais de cinco horas, para mim é o bastante, aqui cheguei, olhando para o lado de fora da janela.

Foi quando se descortinou, sob meus olhos, um lindo cenário que por certo vai mudar no decorrer do dia.

De repente nuvens cinzentas empanam o brilho do sol. Aquela névoa densa paulatinamente se desfaz. Ela ainda persiste sobre a casa onde morei. Onde passei os verdes anos da minha infância.

A casa, daquela rua hoje quase transformada, ainda pouco resta do meu passado, guarda dentro dela segredos da minha infância. Não consigo me lembrar de todos eles. Apenas parte.

Agora a névoa densa de novo voltou a encobrir parte do meu passado. A casa onde passei os melhores anos da minha vida ainda dorme. Dentro dela mora a Rosinha. Uma irmã querida, um anjo que um dia a vida vai levar, como todos nós seremos levados para um lugar especial, talvez sonhe com os anjos. Mais tarde, ao cair do dia, por ali passarei. Vai ser uma visitinha fugaz. Como sempre acontece.

Talvez, neste começo de manhã, agora o relógio mostra sete e alguns minutos, volto meu olhar para aquela casa tinta de saudade, paredes amareladas, a névoa que antes persistia se desfaça.

Mas a saudade que sinto do meu passado não vai se desfazer nunca.

De repente a nomeei de névoa densa de saudade. Ela vai e volta. Da mesma forma que a escuridão encobre a terra. Para de repente surgir a luz do sol.

 

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