Azáfama de fim de ano do infeliz Tião Atribulado

Dezembro mostrou a cara molhada.

Choveu durante a noite. Repetiu-se a chuva ao amanhecer do dia.

Tião morava na roça. Num lugarejo perto de onde ninguém chega pensando chegar. Quem ali para, logo pensa estar num lugar equivocado, longe de tudo e de todos, em verdade errou o caminho. E logo retrocede os passos. E retorna àquela encruzilhada. Onde deveria dobrar a direita. E, no entanto dobrou do lado contrário. Logo depois percebendo o logro. Antes tarde do que nunca.

Tião mal tinha tempo para pensar em si mesmo. Vivia sempre atarefado com o trabalho incansável. Mas, caso o tirassem dali não se sabe o que seria dele. Viver na cidade era um atropelo imponderável. Impossível de ser pensado. Naqueles tantos anos que vivia na roça.

Ao chegar dezembro Tião deveria ir à cidade. Afinal tinha de comprar alguns presentinhos. Ele tinha dois netos. Crianças adoráveis, que viviam fazendo cafuné em sua barba nevada. Branquinha como flocos de algodão.

Depois das tarefas da manhã, de ordenhar as vacas, de encher os cochos até as beiradas com milho retirado naquela hora do silo, de tratar da porcada sempre faminta, o velho Tião tomou um banho caprichado, vestiu a melhor fatiota que possuía, e encheu o embornal com um maço de notas unidas por um elástico que fazia um volume danado.

Temeroso do que poderia acontecer, caso um larapiozinho tentasse afanar aquela gorda soma de dinheiro, Tião muniu-se de coragem e desconfiança. Fez o sinal da cruz e tomou a jardineira que passava antes das oito da manhã.

Pagou a condução com duas notas de vinte reais. Guardou o restante no fundo do embornal. E uma parte significativa amarrou entre as pernas. Juntinho à cueca samba canção.

Ao desembarcar no centro da cidade notou uma confusão danada acontecendo entre uma pequena multidão que se formou de repente na porta de uma grande loja de departamento.

Era ali que pensava entrar. Meio desconfiado das intenções daquela turba acautelou-se mais ainda.

Amarrou o surrado embornal firme na dobra do braço direito. Só faltou um cadeado para dar mais segurança aos seus guardados.

Entrou pé-ante-pé pela porta da frente da grande loja. Era daquelas portas giratórias. Que impedem a entrada de alguém portando qualquer objeto feito de metal. Celular, moedas, e coisas e tais.

Foi barrado pela porta giratória. Deixou todos os pertences numa caixinha que ficava logo abaixo. Mas, não se desgrudou do velho embornal. Manteve-o juntinho ao corpo. Receoso do pior.

Depois de longa espera, era um dia de Black Friday, Tião conseguiu comprar alguns brinquedos para os netos queridos. Não gastou nem a undécima parte do que trouxe. Afinal a importância era quase a renda toda de um mês inteiro da produção leiteira.

Deixou a loja um tanto aliviado. Afinal até o presente momento ninguém havia ameaçado de roubar-lhe, ou passar a mão leve naquele velho embornal.

Como tinha intenção de comprar mantimentos se viu de repente num supermercado.

A casa estava cheia de compradores ávidos pelas compras de Natal. Tião, com o carrinho de compras lotado, passou pelo caixa. Foi ele mesmo quem ensacolou os produtos. Pagou em espécie. E dali saiu com mãos cheias de compras, que se misturavam aos presentes comprados na loja de frente.

Assim que se preparava para voltar à roça, como a barriga roncava de fome, entrou num restaurante que anunciava uma comida boa, a preços convidativos.

Assentou-se a uma mesa dos fundos. Era um restaurante modesto. Daqueles que a pessoa levanta-se da mesa, e se serve das iguarias oferecidas num balcão variado.

Tião, sempre com o embornal bem a vista, empanturrou-se com tudo que tinha direito. Comeu como um capado obeso. E deixou o restaurante feliz da vida com tudo aquilo que havia acontecido.

Uma vez de fora da casa de comida uma azáfama de pessoas apressadas amontoava-se pelas calçadas. Era hora de voltar a sua morada. Tião olhou o relógio. Que mostrava quase noite.

Foi quando, por um descuido, deixou o embornal a descoberto. Quando esperava um taxi, naquela pressa costumeira, percebeu, injuriado, que o velho embornal não estava mais onde o deixara.

Alguém o havia afanado. E ele ainda continha quase toda a importância que havia levado à cidade.

Tião foi parar numa delegacia. Fez o boletim de ocorrência. Mas, a providência não deu em nada.

De volta pra casa, sem dinheiro, Tião percebeu a embrulhada que estava metido. Não lhe restou nem para pagar a lotação.

A compras, os presentes, foram os únicos companheiros de infortúnio.

Por sorte um compadre amigo passou naquele instante. E lhe deu carona até a sua rocinha amada.

Naquela noite, quase véspera de Natal, Tião teve um sonho.

Sonhou que tinha ganhado na loteria. Mas acordou refém da dura realidade. Tudo que havia sonhado rolou ribanceira abaixo. Como choveu naquela noite. As águas de dezembro não tinham sido nada boas para o infeliz Tião Atribulado.

Quando se viu desperto até mesmo suas vacas haviam sido roubadas. Até hoje Tião desconjura aquele fim de ano. Outro igual nem em pesadelo. Mas, pena que tudo não passou de um sonho ruim. Em verdade tudo aconteceu tal e qual foi aqui narrado.

 

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