O homem que sucumbiu à espera

Quem de nós não se impacienta frente a uma fila imensa, que dobra quarteirão, da volta na praça, ganha contornos de escada rumo ao céu, e se perde de vista na imensidão do infinito?

Assim tem acontecido a nós, brasileiros, neste país que soçobra num mar revolto, sem ainda antever-lhe o destino no ano vindouro.

Somos cada vez mais sujeitos a longas esperas. Filas intermináveis, pessoas desemperançosas aguardam sua vez, sem sequer imaginar quando vai ser possível chegar ao começo daquela longa linha de gente, que precisa com premente urgência de um atendimento qualquer.

Seja na fila de um banco. Aguardando a receita de um médico. Ou apenas, e tão somente a hora e a vez de conseguir a tão sonhada aposentadoria, depois de anos e anos de trabalho duro, enfrentando o calor do sol, o frio das madrugadas, a fúria dos ventos, e a inclemência do tempo.

Eu, com a intempestividade de que sou dotado, dominado pela ansiedade com que a idade me fez possuidor, confesso que esperar não tem sido uma das minhas qualidades. Dentre as poucas que possuo.

Num dia destes, numa praça da cidade, aquela que daqui se avista pelo alto, deparei-me com um amigo velho, assentado, desassossegado, a um banco, a espera do dia de conseguir ser operado do coração.

Seu nome era Jorge. Bastante conhecido pelo diminutivo. Embora tenha sido, durante sua curta trajetória por este mundo, uma pessoa maiúscula, em todos os sentidos.

Ainda me lembro dele no balcão de sua padaria. Na praça batizada com seu próprio nome.

Quando ia à roça, aos sábados passava por ali para comprar pães, pois era cedo que ele tinha o costume de acordar. Sempre recebia dele um atendimento respeitoso, cordial, como ele sempre foi.

De tempos recentes a padaria fechou. Foi logo a seguir do passamento do seu pai.

Ainda me lembro do outro Jorge, mesmo sofrendo da visão, sabia fazer a perfeição todos os tipos de pães. A sua falta outro Jorge o substituiu no mesmo balcão. Pena que por pouco tempo.

Naquele dia, do nosso encontro da praça, Jorginho pareceu-me amuado. Mostrava no semblante ainda jovem sinais de cansaço.

Relatou-me que esperava ansioso o dia da sua operação. Que estava com todos os exames prontos. Não via a hora de ter seu peito aberto. E voltar à vida com nova disposição.

Deixei-o, sem mais delongas, assentado ao mesmo banco, daquela praça central.

Este nosso encontro creio fazem poucos dias. Menos de quatro. Cinco, talvez.

Foi hoje, novembro em seus estertores finais, quando li a notícia do seu passamento. Jorginho havia partido para um lugar especial.

Aquele homem gentil, cordial, afável no trato, deixou em nossa cidade sua marca de empreendedor. As escolas de samba sempre se lembrarão dele. Os desfiles de misses da mesma forma saudades irão sentir.

Jorge Marcelino ontem se despediu da vida. Talvez cansado da longa espera.

Quantos de nós, depois de esperar tempos à espera de atendimento, sucumbiremos também?

Como médico, atendendo pelo SUS, tenho visto, desde longos anos, pessoas também sucumbirem depois de longas esperas.

Espero, quero ver ainda, nos anos que me restam, que as filas sejam reduzidas a pouco tempo de espera. Para que outros Jorginhos tenham mais tempo de vida. E continuem a viver felizes mais anos junto de nós.

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