Envelhecemos

Hoje acordei, depois de um sono curto, pensando no envelhecer.

Ontem éramos meninos. Íamos à escola levados por nossos pais. Depois, já caminhando sozinhos, como a escola ficava longe, tomávamos o ônibus para chegar até lá.

E uma vez na escola, com a cabecinha cheia de sonhos, o futuro ainda não nos fazia pensar nele com tamanha intensidade.  Só pensávamos em brincar. Como meu primeiro neto – o Theo, aprecia fazer sempre ao acordar sonolento.

A vida continuava. E nós, deixando de ser meninos, já jovens mocinhos, éramos tomados pela responsabilidade que o futuro nos acenava com sua mão estendida, ao mesmo tempo incerta. Quem éramos nós para prever o futuro? Uma incógnita, um lugar sombrio, que tanto poderia ser alvissareiro quanto um porvir desvestido de magia.

E a gente, depois do curso primário, era assim que se chamava, entrávamos naquela idade perigosa. Aquela quando tínhamos de escolher qual caminho seguir. Era uma encruzilhada indefinivelmente dúbia. No meu caso escolhi ser doutor. Creio ter sido uma escolha acertada. Até nos dias de hoje sinto-me feliz em cuidar dos outros. Acertar o diagnóstico. E muitas vezes, quando o tratamento é cirúrgico, como me sinto bem naquele lugar pra onde me desloco agorinha mesmo, para tratar de um paciente portador de uma doença que o impede de ter filhos.

Na esteira do envelhecimento ter filhos foi outra graça alcançada. Tive apenas dois. Mas poderiam ter sido mais.

A família cresceu mercê do envelhecimento. Meus dois filhos me fizeram presentes dois netos. Logo serão três. Quantos mais vierem serão benvindos. Netos são filhos açucarados. Como avô, ao acompanhar meus netos, não sinto o envelhecer passar tão depressa.

Tenho envelhecido ao sabor dos anos. Hoje conto com sessenta e oito anos. Em poucos dias estarei um ano mais velho. Só que não me acho tão velho. Faço coisas que os idosos não fazem. Ando como notícia ruim. Corro quando a ocasião me permite. Nado como uma calopsita desavisada quando cai dentro d’água. Penso muito na vida. E como ela tem sido benevolente para comigo.

A saúde nunca me preocupou. Nem me recordo bem quando procurei um colega para tratar alguma enfermidade. Embora na idade em que a próstata deve fazer parte da rotina dos exames nem mesmo ela me fez procurar um doutor. Exames, não tenho o costume de fazer. E quando alguém me procura, na intenção de fazer exames, restrinjo ao máximo a lista daqueles que são em verdade necessários. Pra quê procurar doenças? Se me sinto tão bem?

Envelhecer nunca me preocupou. A saúde sim. Tenho-a presa a mim com cadeado de ferro.

Mas, quando as doenças chegarem, se um dia tiver de ser assim, só desejo que jamais me deixem atrelado a um leito de hospital. Quero decidir, quando ainda sóbrio, o momento exato de morrer.

E, quando isso acontecer, não quero lágrimas a prantear minha despedida. Quero músicas acompanhando meu féretro. Desejo risos durante a minha breve caminhada rumo à sepultura. Bem sei que envelhecer é preciso.

Só que, no momento presente, como ainda me sinto a vontade em viver a vida em plena intensidade, o ato de envelhecer o mantenho escondido numa gaveta no mais recôndito abrigo.

Agora conto com quase setenta anos. Meu irmão segue logo atrás. Muitos colegas de infância já não mais estão aqui. Um dia os encontrarei num lugar por mim desconhecido. Lá estarão meus pais.

Envelhecer, com qualidade, como esta em que me considero, é o desejo que deixo agora, neste escrito, neste dia quase final de novembro. O ano agoniza. Como nós estaremos agônicos num dia qualquer.

Mas, como mensagem final, antes que não possa mais escrever com tamanha desenvoltura, logo estarei no centro cirúrgico, tentando inserir vida onde ela não se fez ainda presente, digo, que o envelhecimento, embora seja uma realidade, não deve ser encarado pessimistamente. Ele é tão lindo como a flor do ipê que se desprende da árvore mãe. E a gente, antes que partamos deste planeta, que os homens teimam em destruir com tanta voracidade, consigamos envelhecer sem maiores danos. E, quando o nosso tempo terminar, que a gente ceda o nosso lugar a outrem. Faz parte da vida. Que deve ser vivida sem maiores constrangimentos. Sempre pensei muito na vida que tenho levado. Como também sei que dela não levarei mais do que o necessário para ser feliz do outro lado.

Hoje conto com quase setenta anos. Amanhã estarei mais velho. Mas, esse fato em absoluto me faz perder o sono.

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