Mais um dia…

Depois de um feriado prolongado pensei no tempo.

Foram três dias inteiros passados sem nada a fazer. O trabalho espera a segunda- feira chegar.

De vez em quando vale a pena folgar. Pois ninguém é de ferro. Pois mesmo o mais duro ferro enferruja. E nós, seres pensantes, feitos metade carne e a outra vísceras, dentro da gente pululam sentimentos, a fraqueza faz parte de nós, quem somos nós para passarmos a vida inteira imersos apenas no trabalho. Bem sei que ele rejuvenesce. Enriquece. Mas, tudo com moderação deve ser feito. Para não abreviarmos a nossa passagem neste mundo tão lindo. Hoje mesmo cai uma chuvinha mansa. Logo mais o céu se tinta de azul.

A alternância de momentos é que faz esta vida cheia de cores. O que seria dela sem as cores que se debruçam na primavera?

O que seria do amarelo sem o cinza? Do vermelho sem o índigo carmim? E o que seria de mim sem a inspiração que me cavouca a cada manhã? Nada mais do que um velho ávido por se despedir da vida. Antes que ela se encerre definitivamente.

Hoje conto com sessenta e oito anos. Alguns meses mais estarei sessenta e nove. Logo logo entrarei na casa dos setenta. Quantos anos mais me restam? Prefiro continuar nesta sadia indefinição. Pois, caso descubra o tempo que me sobra, o que farei para passar o tempo?

Talvez, na amargura de descobrir quando irei morrer, talvez abrevie o tempo que me resta. Pois não sei, como médico que sou, como irei suportar um leito de hospital, mercê de doenças terminais.

Mais um dia se passou nesta minha trajetória pelo planeta Terra. Foram anos e anos, dias, meses, tantos, que não me recordo exatamente quantas horas seriam. Foram horas amenas. Principalmente aquelas passadas junto a minha família.

Certo que outras horas não foram tão felizes quanto aquelas passadas a cuidar de pacientes sofredores. Quantas vezes encarei a morte de frente. E não fui capaz de cuidar daqueles seres que depositaram em meus ombros toda a esperança de ver a cura se aproximar naqueles instantes fugazes.

Mais um dia, uma infinidade deles, se foram perdidos na esteira rolante do tempo.

E quase não tive tempo de contar quantos foram. Só sei que passaram os anos. Muitos deles sem deixar rastros. Pois passaram tão rapidamente que não dei conta de ir adiante. Na contagem do tempo.

Bem sei que o tempo passa. Até a uva vira passa. Da mesma forma que em nossa face sulcam as rugas. A pele fica macilenta. Os cabelos embranquecem. O olhar torna-se opaco. Quantos de nós tem a sua visão prejudicada. A fala arrastada. O andar trôpego.

Não temos a menor chance de driblar os anos. Eles caminham com tal rapidez que não damos conta de acompanhá-los.

Quando se vê não mais temos vinte anos. Quando menos se espera a infância partiu. Levando com ela os folguedos de criança.

Como seria bom retroceder do tempo. Como seria prazeroso caminhar em marcha-a-ré. Como seria maravilhoso acordar de novo menino. Libertar-nos da segurança do útero materno. Chorar pela primeira vez. E não chorar de angústia uma vez feito velhos.

Hoje acordei depois de um feriado prolongado. Preferia que esta segunda-feira fosse em verdade uma sexta. O primeiro dia de um feriado prolongado. Que ao invés de chuva fizesse sol. Que ao invés de cinza predominasse um dia claro.

Mas nem sempre as nossas preferências são respeitadas. Os nossos gostos bem resolvidos. A felicidade sobrepujasse a tristeza. E a alegria dominasse nossos dias.

Mais um dia se passou desde que o ontem se foi. Hoje conto mais horas as minhas passadas muitas horas.

Agora conto menos tempo ao meu desejo de viver intensamente. Amanhã estarei prestes a completar mais um ano de vida. Tomara este tempo que me falta seja pleno de saúde. Caso pudesse decidir sobre meu destino que ele seja tão feliz quando o sorriso de uma criança dormindo.

Mas, quem sou eu para vaticinar quanto tempo falta para me despedir da vida. Se faltam dias, meses, anos, prefiro ficar na ignorância.

O certo é que mais um dia se passou desde que o ontem se foi.

No entanto não fico amargurado pela passagem do tempo. Ele passa. Da mesma maneira que o vento passa. Levando com ele folhas mortas.

Hoje, quinze de outubro, agora o relógio marca quase sete e meia da manhã, estou na iminência de despertar o médico que mora dentro de mim, a partir das oito mudo de atividade, ainda penso na vida.

Quantos dias ainda me restam? Seriam muitos? Nem sequer imagino quantos serão. Tomara sejam dias amenos. Não tanto cinzento como agora se mostra. Preciso de sol. Assim como me faz necessária a inspiração. Para que os dias que me restam sejam felizes como os que tenho passado.

Mais uma hora se foi. Mais um dia vai passar.

Todos iremos passar. Que a nossa passagem seja tão rápida como o voo de um beija-flor. Que não seja como o canto da cigarra que canta seu último canto. Para a seguir morrer. De tanto cantar.

Mais um dia. Menos um. Para que eu possa enxergar a vida com o mesmo prazer que ela me oferece, graciosamente.

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