De hoje a dois dias

Hoje amanheceu dezesseis de outubro. Dia fresco, céu cinzento, talvez caia chuva na parte da tarde.

Datas existem em nosso calendário. A de nosso aniversário não nos esquecemos.

Da mesma forma quando perdemos um ente querido faz parte de nossos piores momentos.

Algumas datas ficam profundamente arraigadas nas nossas lembranças. Não há como esquecê-las. Quando nos consorciamos a alguém, da mesma maneira, para muitos, este dia feliz deve ser inserido no calendário. Sob o risco de nos puxarmos a orelha, justamente aquela que faz parte indelével dos nossos dias, pra mim meu esteio, minha doce companheira, responsável pela felicidade que brilha dentro de mim.

Efemérides importantes não devem ser esquecidas. Da nossa independência, o dia da cidade onde nascemos, até mesmo da escola onde estudamos, são datas inestimáveis para muitos.

Existem datas que nem sei de cor. Ontem mesmo me lembraram de uma. O dia em que meu netinho primeiro fez aniversário. Brincadeira de criança. Jamais vou me esquecer do dia em que nasceu meu querido Theo. Da mesma forma quando nasceu Gael.

A propósito de datas, efemérides importantes, neste mês de outubro, o qual entramos pela metade, logo se desfaz o ano, de hoje a dois dias comemora-se o dia de uma profissão de suma relevância ao desenvolvimento humano.

Ela já foi mais relevante. O profissional envolvido já teve dias melhores.

Ainda me lembro dos velhos anos. Quando a gente vestia todo de branco. Deixamos a faculdade depois de seis anos de estudos constantes. Para nos tornarmos especialistas, nesta ou naqueloutra atividade, mais longos anos eram necessários. E como era cobiçada a nossa profissão. Difícil de ser conquistada, árdua em sua caminhada.

Nos primeiros anos, mercês da inexperiência da qual éramos inseridos na vida de médico, relutávamos em começar a encarar doenças frente a frente. E quando chegava um paciente? Aí, de posse de um diploma e nada mais, tremíamos na base. Ainda me lembro de quando aqui cheguei, vindo da Espanha.

Foi o pioneiro na Urologia. Naqueles idos anos a especialidade que abracei ainda não se permitia tantas modernidades. Para retirar uma próstata enferma era preciso abrir o abdome. Agora um instrumento pouco invasivo torna exequível tais operações.

Tudo muda ao sabor dos anos. A gente muda da mesma forma. Antes pensávamos que poderíamos abraçar o mundo com nossos braços fortes. Já hoje estes mesmos braços titubeiam de vez em quando.

Quando aqui cheguei, lá se vão os anos, são mais de quarenta deles, tinha a mesma disposição de agora. Só que, ainda não me sinto cansado, um tanto quanto alquebrado, me dou o direito de repensar o que posso fazer, e o que não sou capaz relego aos mais jovens a incumbência.

Ainda longe da aposentadoria, não desejo jamais ver este dia, procuro exercer a medicina de forma mais consciente. Não sou tão intempestivo como era. Conto até mil para dar um diagnóstico. Não indico uma cirurgia como dantes acontecia.

Dezoito de outubro caminha a passos rápidos. Agora meus passos são mais lentos.

O dia do médico deveria ser comemorado com mais festividades. Entretanto, devido a circunstâncias várias, esta data deve ser repensada.

Talvez se formem médicos demais. E a nossa classe esteja desunida. A concorrência por vezes se torna desleal. Pecamos por excesso de trabalho. Daí sermos motivos de denúncias sofregamente veiculadas pela mídia.

Não sei se esta data tem motivos para comemorações. Já fomos mais respeitados. Nosso trabalho quase endeusado. Já hoje, devido a um sistema falho, aos pobres esculápios são imputadas culpas que não lhes cabem às costas. Processos pululam já justiça. Médicos inocentes de repente vêem denegridas as suas imagens. Por culpa de quem. De nós mesmos? Ou de uma medicina que cada vez mais se moderniza, e não temos condições de acompanhá-la a contento.

Somos submetidos a salários vis. Sujeitamo-nos a plantões desumanos para sobrevivermos. Quantos médicos fecham o consultório? Aqui no meu prédio colegas dividem o mesmo espaço acanhado.

Dezoito de outubro, data que deveria ser comemorada com festas e lembranças boas, agora quase passa em branco. Da mesma maneira que usávamos o branco em nossa lida diária, por força da circunstâncias o branco foi mudado para uma cor qualquer.

De hoje a exatamente dois dias comemora-se o nosso dia. Dezoito de outubro deveria ser uma data especial. O que fazer para que ela continue como era antes? Não depende apenas da gente. E sim da atitude de pessoas que precisam de nós. Creio que ainda somos merecedores do respeito de nossos pacientes. Sobremodo de quem nos vai governar. Num futuro bem perto.

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