Profissão – esperança

Todas elas têm seus méritos.

Desde o mais humílimo gari, que tem de enfrentar a fedentina do lixo, aquele que tem de destrinchar um boi, sem dó ou piedade, ou até mesmo o madrugão padeiro, que acorda ao cantar do galo, até os que ocupam cargos mais altos de uma empresa qualquer, todas as profissões são necessárias ao bom desempenho de um país, mesmo aquele sem rumo como se mostra o nosso.

Fiz-me médico há mais de quarenta anos. Hoje, ativo na profissão, embora muitos me considerem aposentado, certo que diminuí minhas atividades, agora penso fazer apenas o que me apraz. Talvez por este motivo seja feliz, mais do que fui no passado.

Acordo a mesma hora que acorda o padeiro. Durmo o suficiente para passar outro dia. Chego ao consultório, meu refúgio de escritor, sempre usando as pernas como veículo, a mesma hora de sempre. Antes das sete. Meia hora para ser exato.

Antes das oito já concluí mais uma crônica. Hoje  mais de dez mil que lotam arquivos do meu computador.

As manhãs são mais inspiradoras. Por isso recorro a elas quando desejo escrever.

Ainda sobre as profissões, são tantas, impossível nomear quantas são. Cada tempo as lidas se renovam. De acordo com as exigências do mercado de trabalho.

Cada vez mais a informática é exigida para se conquistar um lugar ao sol. E como ele brilha forte na manhã de hoje. Primavera em seu começo, logo a ela sucede o verão.

Agora são exatas seis horas e meia. Logo aparecem os pacientes agendados para a manhã de hoje, três de outubro. É quando me sinto a vontade defronte ao computador. O prédio ainda esta vazio. Apenas eu e ele, entregues a nossa solidão inspiradora.

Logo mais, a partir de quase dez, daqui me dirijo a outro local. Atender em um ambulatório do serviço público é um prazer que ainda me atrai.

Tudo faço para ser feliz na profissão que elegi. Espero continuar a ser feliz na escolha do candidato que vai se tornar o presidente de nossa nação.

Como médico posso dizer que quase sou realizado. Afinal são mais de quarenta e quatro anos, quase uma vida, tentando atenuar dores, aliviar dissabores, se não curar pelo menos diminuir o sofrimento dos que me procuram, seja aqui no consultório, ou em outros locais onde ainda labuto.

Como pessoa ainda falta muito. Impossível saber quanto mais.

Mas, pensando sobre outro prisma, sobre outro foco, outra profissão tem me feito ainda mais feliz do que sou.

Ser babá é padecer no paraíso. Ser avô é consumar a felicidade.

Há coisa de dois anos, um cadinho mais, tive a alegria de ver nascer meu primeiro neto.

E como foi bom ver aquela cabecinha despontar do útero de minha filha. Ouvir seu primeiro choro. Tê-lo nos braços, depois do seu pai.

Ainda ontem dormi na sua casa. Seus pais viajaram e deixaram o querido Theo aos meus cuidados de avô. Lógico que não estou só neste incumbência prazerosa. Outras pessoas me ajudam. Pois a outra profissão ainda exige muito de mim.

Logo mais, a hora do almoço, vou ver aquela cabecinha lourinha, cabelos cacheados, pele clarinha como floco de algodão. Vou tentar dar a tal papinha para ele. Espero que ele seja tão glutão como é o avô.

O outro neto, de nome Gael, agora passa tempos em outra cidade. Logo estará mais perto da gente. Não vejo a hora.

Logo serão três fedelhos com quem passar o que me resta de vida. Neles me renovo. Talvez desenvelheça aos seus lados.

Pena que a dura realidade seja outra. Não tenho a certeza se os verei encaminhados na vida. Em que profissões escolherem. Que sejam os melhores em qualquer atividade.

O que importa é que sejam felizes. Como eu tento ser, e por vezes não consigo.

A profissão avô é diferente de todas listadas antes. Ela não exige carteira assinada. Nem ao menos tem salário condizente a enorme responsabilidade a cuidar dos netos.

E ela da trabalho. Zelar para que as quedas por ventura acontecidas não causem tantos transtornos. Trocar fraldas não tenho tanta experiência. Pois quando nasceram meus filhos eu me esquivava de fazê-lo. No entanto brincar com eles isso sim era do meu agrado.

Dizem que netos são filhos açucarados. Bem sei que devo evitar açúcar em excesso. Mas, com adoro doces, não importam os percalços que os netos trazem.

A função do avô não é educar os netos. Deseducá-los é nossa ocupação principal. Mas por que levar tão a sério a vida, já que ela passa como a uva vira passa?

Ontem passei a noite ao lado do querido Theo. Primeiro fui buscá-lo na escola. A seguir levei-o a minha casa. Como ele me deu um baile ao passarmos numa farmácia. O danadinho corria e eu atrás. No carro ele queria a direção. A frente da televisão ele dava as cartas. Enquanto eu queria assistir ao jornal nacional ele preferia os desenhos da netflix. E ele acabou tomando conta do controle remoto.

Não é possível enumerar todas as profissões. Elas mudam a cada tempo. Da mesma forma com que mudamos nós.

Mas, pensando justamente nelas, agora que experimentei a de avô, penso que ela é a que mais me satisfaz.

Por isso mesmo vou batizá-la com nome novo. Que tal nomeá-la de profissão esperança?

Esperança de que um dia teremos o prazer inenarrável de ter tantos netos nos braços, quantos forem possível de carregá-los, até que a morte nos venha buscar.

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