Chico Indefinido

Mesmo antes de nascer a indefinição fazia parte da família do Chiquinho.

Filho único de pais separados, Chiquinho nasceu sem ser esperado, numa tarde noite de sexta-feira, quase sábado.

A mãe, gente boa, nascida e criada na roça, já que o pai havia se mudado para cidade, por falta de trabalho, uma vez vendo-se grávida, fez todo o enxovalzinho naquela indefinição se menino ou menina.

Por sorte nasceu um varão. Uma criança adorável, chorona ao nascer, com um peso entre quatro e cinco. Foi um parto dificultoso. Uma parteira experiente foi quem ajudou a mãe de Chiquinho quando ele veio ao mundo. Não fosse ela não sei o que seria do pobre menino.

Acontece que ele encravou na hora da expulsão. Era grande demais para sair pelas vias naturais. Mas como fazer uma cesariana naquele lugar desprovido de recursos? E a bolsa rompida naquela hora pedia urgência. Por sorte Chiquinho foi desligado do útero sem maiores percalços.

Logo o menino tão esperado se viu embrulhado naquela mantinha branquinha como nuvem sem indícios de chuva. Foi uma cena linda ao ver a mãe do menino tomá-lo nos braços, carinhosamente, dar-lhe um beijo carinhoso, para a seguir desmaiar devido ao cansaço.

Chiquinho cresceu na dúvida entre ser fazendeiro ou emigrar pra cidade. Embora apreciando roça ali, pensava ele, não estaria seu futuro.

Mesmo assim, como não tinha quem ajudar nas lidas rurais, acabou ficando por ali mesmo.

Nem tempo teve de estudar. Com o trabalho coçando-lhe a orelha de abano, Chiquinho, aos menos de dez anos, já fazia de tudo um pouco. Cuidava das vacas, tratava dos porcos, e quando lhe sobrava tempo ainda manobrava o trator deixado pelo avô.

Analfabeto até os vinte anos, foi graças a uma tia torta que aprendeu a assinar o nome.

Mas parou por aí.

Outubro entrou de repente. Com ele as chuvas tão esperadas foram chegando mansamente.

Era tempo de plantar. De semear, arar a terra dura, e ali jogar as sementinhas de milho, na esperança de uma colheita farta da terra nascer.

Foi assim que Chiquinho, indeciso como sempre, se preparou para enfrentar outra estação. Mercê da sua indefinição.

A primavera entrou colorida como de costume. Flores multicores embelezavam a paisagem antes seca e árida.

No dia primeiro do novo mês disseram a Chiquinho que, domingo seguinte, era tempo de escolher, dentre tantos postulantes, quem seria melhor para dirigir nosso destino.

Mais uma vez, com a pulga atrás da orelha, vendo, pela televisão, quando, por não ter outra opção, de assistir ao horário politico, coisa mais enfadonha, poder-se-ia dizer bisonha, o indeciso Chico, ao ver tantos candidatos exporem-se ao ridículo, não conseguia decidir a quem dar o seu voto.

Bem sabia que tudo aquilo prometido nunca seria cumprido, tendo a dúvida como companheira, Chico ficava dividido entre o certo e o duvidoso.

Embora todos fossem duvidosos Chico sabia da importância do voto.

Eis que chegou o dia da eleição.

Chiquinho indeciso acordou mais cedo que o costume. Passou a noite em claro. Olhando pela janela a escuridão da noite.

Fez todas as tarefas ainda na madrugada. Deixou os cinco latões de leite no alto do morro. Acontece que, durante a noite, havia chovido além da conta. E com a lama escorrida o caminhão leiteiro por certo não desceria ao curral.

No velho fusca, quase em estado terminal, foi a cidade ainda na dúvida sobre em quem votar.

Cabos eleitorais faziam boca de urna. Bandeirolas tremulavam a meio mastro. Santinhos sujavam as ruas com aquelas carinhas nada santas.

Assim que Chico indeciso chegou ao lugar de votação, naquela indecisão costumeira, sem saber quem seria merecedor de seu voto, de súbito tomou-se de coragem, lembrou-se de sua rocinha querida, fechou os olhos, e acabou escolhendo aqueles em quem mais confiava.

Para presidente votou no burro branco. Era ele quem o ajudava nas tarefas mais pesadas. Pra vice na galinha carijó. Era dela os ovos de duas gemas. Com os quais se deliciava a hora do almoço. Na hora de escolher o senador, sabe em quem Chiquinho votou? No touro Barnabé. Era um reprodutor de primeira. Pai e avô da metade de seu plantel. Na hora de escolher os deputados de novo a dúvida subiu-lhe à cabeça. Acabou decidindo voltar nos garotinhos quase em ponto de se tornarem prontinhos ao abate. Só que, por não saber quais números deveria indicar, dentre tantas caras desconhecidas, acabou inutilizando todos os votos.

Dali saiu pensando em qual Brasil gostaria de morar.

Não nisso que está aí. Em nada parecido ao que vemos.

Talvez num Brasil melhor. Com menos desigualdade social. Com mais emprego. Menos violência e corrupção. Um país onde o homem do campo seja valorizado. Pois sem ele com certeza faltaria comida na mesa.

Chico, ainda mercê da indecisão, voltou ao seu pedaço de chão com uma certeza única.

Tomara seja desta vez que mudaremos os rumos da nação. Seria, Chico, com a sua indecisão costumeira, ainda não tem a certeza que vai ser desta vez. Será? Pra mim também fica no talvez.

 

Deixe uma resposta