Creio ter acrescentado menos anos aos meus desenganos

Anos passam. A gente envelhece. Não há como retardar os anos. Nem entrar naquela máquina do tempo, ir caminhando de frente pra trás, lentamente, desenvelhecendo, sonho impossível de ser sonhado.

Hoje estou sessenta e oito. Dezembro anuncia outra data. Dia sete me torno mais velho. Ano que vem vou colher anos novamente.

Antes que me torne demente aproveito ao máximo o tempo que me resta. Tento inserir saúde a minha existência. Leio, escrevo, exercito-me diariamente. Dispenso os carros na minha lida costumeira. Sempre caminhando vejo o mundo com as lentes inseridas em meus olhos, depois de uma operação de catarata.

Enxergo além das entrelinhas. Sorte minha. Não uso óculos a não ser para proteger minha imensa sensibilidade dos raios do sol.

Escrevo à vista desarmada. Desarmo-me frente à violência percebida pelas ruas, principalmente anunciada pela mídia sedenta de sangue.

Tenho tentado de tudo para alongar os anos que me restam. Vivo feliz. Na medida do possível.

Bem sei que momentos de tristeza terei pela frente. Deles me afasto. Mas nem sempre consigo.

Logo mais estarei um ano mais velho. Em pouco tempo a velhice vai tomar conta de mim.

Mas procuro não pensar no futuro. Vivo o presente sempre me lembrando do passado. Ele é o responsável por estar aqui. O que vai ser será.

De dois anos pra cá um motivo é responsável pelo meu desenvelhecer. Dia vinte de julho nasceu meu primeiro neto. E como ele tem sido importante na recontagem dos anos. Ontem mesmo fui buscá-lo na escola. Onde passei os verdes anos da minha juventude.

Ao lado do Theo me sinto a vontade. Brinco com ele. Faço de conta que tenho a sua idade.

Ontem, por volta do meio do dia, mais um acontecimento tornou possível a recontagem do tempo.

Desinseri, segundo a minha conta imperfeita, menos um dia aos meus muitos anos. Somados aos dois do Theo, menos um dia do Gael, meu segundo neto nascido no dia de ontem, agora sou dois anos e um dia a menos na minha idade. E quando nascer o terceiro? Que venham outros. Logo estarei na mesma idade deles. Deixarei a velhice de lado e voltarei a ser criança correndo como um tresloucado.

Tenho sempre procurado a fórmula mágica de não envelhecer. Até nas minhas atitudes procuro fazer como eles. Não levando a sério as vicissitudes da vida. Deixando os compromissos inadiáveis para o dia seguinte. Sempre tentando afugentar as preocupações que cercam os adultos para quem as aprecia. Ao lado dos jovens me realizo. Embora me sinta confortável junto aos da minha idade.

Desenganos, quem nãos os têm. Incertezas, da mesma forma. Desalentos fazem parte do nosso viver. Desencantos são necessários ao nosso aprendizado.

Agora, pensando justamente em meus dois netos, Theo e Gael, logo mais vou vê-los novamente, agora devem estar dormindo, quando eles nasceram voltei no tempo. Rejuvenesci. Desinseri anos aos meus desenganos.

Quando nascerem outros o que será de mim? Vou continuar andando adiante? Ou irei retroceder no tempo? Chegando a idade em que eles se encontram?

Hoje estou quase setenta. Não sei se viverei o bastante para ver meus netos emancipados. Creio que não. Mas, não penso no tempo. Penso apenas no presente. Eles me foram dados de presente, assim que ambos nasceram.

Na vida que tenho levado não tenho motivos para queixas. Tive sorte de ter nascido nesta família linda que me precedeu.

Alguns desenganos tive. Não sei quantos ainda os terei.

No sorriso encantador dos meus netos, nas suas pessoinhas lindas, é a maneira que descobri de não envelhecer tanto.

Através deles me realizo. Seus abraços me confortam. E quando estiver bem mais velho, decrépito, sem nada poder fazer, a não ser pensar na vida que tenho levado, as lembranças falarão mais alto.

Como foram bons aqueles verdes anos. Como é maravilhoso a gente se realizar nos netos.

Theo, Gael, estão aqui. Pertinho de mim. Vovô. Por eles vivo. Através deles respiro.

Desenganos por certo terei. Um dia estarei mais velho. Mas, com eles, junto a eles, a idade não conta. O que conta é a felicidade que reencontrei. Ao assistir-lhes os nascimentos. Foi como se nascesse novamente. Foi como se reencontrasse a alegria que sempre busquei.

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