O voto do Tião Indeciso

Não era a escolha fácil a maior virtude do roceiro Sebastião.

Ele, aos mais de cinquenta anos, vivia só. Não por falta de opção. Até na data presente não soube decidir pela Marieta ou pela dona Joaninha, por quem arrastava asas, desde tempos que lá se vão.

Nos negócios era uma negação. Uma vez que foi comprar uma vaca, de um vizinho de pasto, um tanto quanto espertinho, levou uma manta danada. Acabou comprando uma de três peitos. A qual passou adiante para um açougueiro mais esperto ainda, o qual lhe deu um cheque bate e volta, que nunca foi compensado.

O pobre Sebastião mesmo assim era feliz e bem sabia. Pois uma das suas maiores qualidades era a singeleza do singelo. Todos naquelas bandas a ele amavam. Como se deveria amar os pais. Ou o país onde nascemos.

Apenas um vizinho de cerca não era de sua predileção maior. O arreliento Nicanor, embora honesto e trabalhador, era pessoa não grata por quase todos. Fora a mulher, mais feia que urubu zarolho, e os filhos de olhos um virado pro outro, a ele amavam como se fosse o homem mais bondoso do mundo.

Por causa de uma cerca que dividia os pastos começou a discórdia. Nicanor jurava que era da competência do velho Tião. Que a ele endereçava o serviço. E nunca chegaram a um acordão. E isso durava tanto quanto a idade daquela serra alta. A qual se deixava ver no horizonte infinito.

Agosto amanheceu ventoso e frio ao descabelo.

Naquela manhã, bem cedo, Tião acordou de bom humor. Fazia um frio de enregelar orelhas. A pastaria amanheceu coberta por um gelo fino.

A seguir o sol esquentou.

Tião tinha de ordenhar as vacas antes que o caminhão leiteiro chegasse. Eram mais de trezentos litros. Em menos de duas horas acabou o serviço. Foi a conta de o velho caminhão apitar no alto do morro. E levar ao laticínio toda a produção de dois dias inteiros.

Agosto se foi levando com ele a ventania que levantava a saia das moçoilas casadoiras. Depois dele veio setembro. E o velho Tião, informado que em pouco tempo viriam as eleições, ainda não havia decidido em quem votar. Mal sabia ele o nome dos candidatos. Mal tinha tempo de assistir a televisão.

Outubro veio trazendo chuvas com ele. E como eram bem vindas as águas que tinham o dom de verdejar a pastaria, colorir de verde o sorriso das vacas, embora até hoje não se saiba se vacas sorriem ou apenas exibem os dentes rindo da gente.

Embora o voto não fosse obrigatório, na idade em que Tião se achava ele teimava em ir a cidade. Dizia ele, não sua maior idade: “eu voto naquele que considero mais autêntico. Não naqueloutro que apenas vem à roça véspera de eleição. Com aquele sorriso falso, prometendo mundos de fundos, e, depois de eleito nunca mais aparece por aqui. Toma chá de sumiço, desdenhando da gente”.

Até na presente data Tião sempre votou segundo sua consciência. Mas, com o tempo passando, com os verões sucedendo as primaveras, as desilusões eram tantas que ele acabou votando em branco.

Mas, naquele pleito, era o último que comparecia, jurava não perder tempo com outras vezes, melhor ficar na roça cuidando das suas vacas mansas, assim que o ônibus chegou à cidade, cheio pelas janelas de eleitores rurícolas, Tião apeou ainda indeciso em quem votar para presidente.

Nomes eram expostos aos critérios de um pior que o outro. Partidos mal vistos desfilavam seus candidatos aos olhos incrédulos dos eleitores.

A política, e seus artífices, não eram pessoas em quem confiar.

Daí a indecisão do velho Sebastião em quem votar.

Caso votasse no candidato palrador, aquele que prometia acabar com a miséria de vez, seria um voto vencido e não convencido. Caso o escolhido fosse aquele que prometia por um fim na violência, por certo seria uma escolha fantasiosa. Já que ela está ligada a educação e a desigualdade social, coisas e loisas que estão intrinsecamente ligadas ao modos vivendis nacional. Se fosse votar naqueloutro que promete sanear as contas públicas estaria incorrendo num erro grosseiro. Pois a corrupção virou mania verde amarela.  Pensou em votar naquele que queria dar fim à pobreza. Mas o tal PT prometeu e não conseguiu. Aumentou ainda mais a miséria no território imenso que se chama Brasil.

Uma vez a beira da urna, eletrônica, por sinal, Tião, ainda na indecisão em quem votar, teve um laivo de inspiração.

Bem conhecia o arreliento Nicanor. Sabia da sua honestidade ímpar. Como da sua competência em cuidar das vacas. Dos seus modos incorruptíveis. Do amor que ele tinha por suas terras.

Embora com ele tivesse uma rusguinha antiga nele confiava acima de tudo e de todos.

Depois de alguns minutos de indecisão, como a cara feia do Nicanor não estava entre as fotos dos candidatos, saiu da urna mais uma vez votando em branco. Não por ser racista. Entretanto. Mas o único que merecia seu voto era o compadre Nicanor.

Desta vez Tião Indeciso não teve dúvidas. Deixou a urna sem nela depositar sua escolha. E dela saiu mais confuso ainda. Não convencido em quem votar. Ainda não foi desta vez. Quem sabe na próxima? Mas por certo a próxima não veio. O velho Tião Indeciso morreu de velho. Desconhece-se, até hoje, em quem ele votou, no céu.

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