Vidas à deriva

Norte, rumo, prumo, são fatos que norteiam-nos a vida, desde quando se nasce, bem como na hora da despedida.

Como exemplo cito aqueles jovens que não estudaram, enveredaram-se por caminhos tortuosos, passando a mocidade sem missão definida.

A escolha deste ou aqueloutro caminho deve fazer parte de cada um de nós. Não que seja necessário sermos médicos, engenheiros, ou outro profissional qualquer. Mas que o trabalho cotidiano deve fazer parte da gente, seja em que atividade for, lá isso é.

Filhos cangurus existem aos montes. São jovens que nunca deixaram a casa onde nasceram. E optaram pelas facilidades que aí encontraram, dependentes de tudo, inclusive das suas ociosidades.

Vidas à deriva existem aos montes. Neste nosso país então, é só andar pelas ruas, atentos ao enxergar, e constatarmos quantos jovens vivem sem nada fazer.

Ontem mesmo assisti a uma exibição que me fez pensar.

Era tarde. Quase noite.

Resolvi assistir a um filme que me ensejou o título do meu texto de agora.

Ele contava a história, baseada em fatos reais, de dois jovens perdidos na imensidão do oceano. Eram bem jovens ainda quando se encontraram. Apaixonaram-se. Viveram por pouco tempo navegando em águas revoltas até que um deles foi jogado no mar bravio. Nunca mais se viram. A não ser em outra vida.

Uma vez passando por um sinal luminoso vi dois jovens fazendo malabares. Em troca de alguns trocados eles aqui estavam. Não eram nascidos neste país. Eram oriundos da Argentina. E perambulavam a esmo pelas estradas, sem destino, sem lenço ou documento, sem sequer sentir saudades de onde vieram.

Como estava sem pressa tive o cuidado de parar junto deles. Em troca de alguns trocados pude ouvir um cadinho das suas histórias.

Raul e Janete deixaram seus países sem desejo de voltar. Não se davam bem com seus pais.

Tiveram uma malograda experiência com as drogas. Mas, por sorte, conseguiram deixar aquele vício fatal.

Depois caíram no mundo. De carona em carona, amochilados, entraram pelo sul do país.

Ambos deixaram o estudo ainda cedo. Não passaram do segundo grau.

Aqui tiveram a primeira decepção. Foram roubados todos os seus pertences. E partiram, com a cara e a coragem, até a nossa cidade.

Aportaram com a roupa do corpo. Mal se expressando em português. Como não tinham visto de permanência passaram as primeiras semanas numa cela infecta, rodeados de ratos e percevejos.

Saíram graças à benevolência do delegado.

De novo na estrada. De carona em carona, mochilas às costas.

Foi quando Janete se lembrou de suas habilidades circenses. E acabou ensinando ao Raul a fazer malabares. Com isso ganhavam o suficiente para não passar fome. Ainda faziam artesanato para engordar a receita.

Dormiam ao relento. Creio terem sido eles a quem vi, noutro dia, com as cabeças cobertas, debaixo de uma marquise. Apenas os malabares ficaram de fora.

Depois de uma prosa curta, expressando a eles a minha admiração e ao mesmo tempo comiseração, de nada adiantava pedir que tentassem mudar de vida, eram jovens ainda, deixei-os a fazer malabares naquela esquina movimentada.

Não sei até quando eles permanecerão por lá. Não sei o que a vida a eles reserva. Só sei que aqueles jovens são exemplos de vidas à deriva. Em que porto seguro aportarão? Se irão aportar algum dia? Ou simplesmente irão singrar águas revoltas. Como os dois jovens apaixonados, do filme ao qual assisti na tarde noite de ontem.

Sinto pena de quem vive assim. Ou talvez eles sintam pena de mim.

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