Aquele abraço que não lhe dei

As relações pais e filhos nem sempre são amistosas como deveriam.

O cotidiano, por vezes cruel, nos mostra filhos matando pais, pais chacinando filhos, por motivos desprovidos de razão. O fato é que tais coisas acontecem. E nós, que tivemos pais, ou ainda os temos ao nosso lado, ao constatarmos tais atos ignóbeis ficamos pasmos por tamanha crueldade.

Hoje em dia a relação pai e filho mudou em certos casos. Elas são frias, inamistosas, arredias às vezes. Não mais se observa o respeito, a admiração pode faltar. Os tempos modernos são outros. A falta de tempo, a crise que grassa no ar, são explicações descabidas para explicar a frieza com que filhos tratam os pais, e vice versa.

Quem já teve um pai ao seu lado bem sabe o quanto é bom acordar com seu abraço. Com seu bom dia carinhoso, com seus conselhos sábios, com o seu sempre amistoso: “meu filho. Estude sempre. Não se enverede pelo mau caminho. O trabalho é sempre a trilha por onde deve seguir. A ética, a honestidade são qualidades que você sempre deve cultivar”.

Mas, o filho ingrato, nem sempre ouve os conselhos do seu progenitor. E acaba seguindo na contramão da vida. Um dia a mesma vida, um tanto tarde, vai ensiná-lo o que não presta, o que é bom ficou pra trás, na experiência acumulada pelos anos daquele que o inseriu no mundo, há tempos passados.

Já tive um pai ao meu lado. O quão foi bom aprender com ele sua honestidade ímpar. Era um exemplo a ser seguido. Um caminho a ser trilhado. Um exemplo másculo do que devia ser feito. E por vezes não o fazia.

Com ele tomei gosto pelo tênis. Com ele jogava futebol de salão. Através dele aprendi a ser grato. Pelas suas mãos sábias às vezes aprendia a lição.

Ainda me lembro de sua vida pregressa. E como me passam pelas lembranças as suas idas ao banco, onde foi gerente por tantos anos.

A sua velha máquina de escrever ainda repousa até hoje dentro de um baú de guardados. Na mesma casa onde moro. Ele não a conheceu em vida.

Quantas vezes fomos juntos à represa de Camargos. A sua casa beira lago ainda mora ali. Pertinho da minha. Lado a lado.

A derradeira vez que o levei ele apenas admirava as águas plácidas do lago. Com olhares vazios, perdidos no nada. Já estava gravemente enfermo, imensamente debilitado por uma doença cruel. Em pouco tempo foi levado ao leito. Cobriu-se de escaras, e, felizmente Deus o levou para seu lado. Para ajudá-lo na contabilidade das finanças do céu.

Dezoito anos se passaram desde quando meu pai se foi. A sua fotografia, em preto e branco, ainda fica do meu lado direito, talvez inspirando meus textos, quantos falaram dele.

Confesso: talvez não tivesse sido um filho ideal. Não fui seu companheiro presente em todas as horas que ele precisou de mim.

Quantas vezes minha querida mãe me chamou, e eu morava pertinho daquela casa da Rua Costa Pereira, que daqui se vê pelos fundos e eu, cansado das lidas da medicina me esquivei e não compareci. E quando ia chegava atrasado. Ele já estava na cama. Amparado pela minha mãe sempre presente ao seu lado.

Em vida, ainda lúcido, poucas vezes aceitei ao seu convite para irmos juntos a sua casa pertinho daquele lago. E ele, teimoso que era, acabava indo só. Naquele carrinho cinza. Sem condições de dirigir. Quantas vezes o telefone me alertava que ele estava na rua, interrompendo o trânsito. Pondo em risco a sua vida e a dos demais passantes.

Até hoje, na plenitude produtiva da minha velhice, não tenho o costume saudável de sair distribuindo abraços. Trata-se de uma atitude que recomendo. Façam um esforço, ainda que contra as suas vontades. Ainda mais em se tratando de pais e filhos.

Durante todo o tempo em que passei ao lado do meu pai, não me lembro de quantas vezes o enlacei entre meus braços. Se o beijei na face, não me recordo quando foi.

Esse hábito não cultivei. Até hoje me renego.

Agora que o tempo passou, meu pai já não está mais aqui, ele se foi para um lugar melhor, e o dia dos pais chega no próximo domingo, cai no dia doze de agosto, já que não posso abraçá-lo em carne viva, a você, meu querido pai, receba outro abraço em forma de letras, escritas nesta manhã, cinzenta, no dia de hoje, sete de agosto.

Aquele abraço que não lhe dei é dado agora com enorme apreço. Abraço a sua fotografia, como se o senhor aqui estivesse. Como seria bom tê-lo ao meu lado de novo. Dando-lhe aquele abraço apertado, com todo carinho e cuidado, que gostaria de tê-lo dado tempos atrás, quando ainda o tinha ao meu lado.

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