A procura de mim

Quem somos nós, neste universo colorido de pessoas, cada uma com sua identidade, de uma forma ou de outra?

As indefinições predominam neste mundo tão díspare.

Uns nascem com todos os privilégios. Em berço esplêndido, cercado de carinho dos pais, em lares onde o amor existe. Conquanto outros conhecem a vida ao lado de pais desconhecidos, logo serão expulsos de casa por desavenças que a eles causam mágoa, e são obrigados, em meninos, a viveram nas ruas.

Neste emaranhado confuso sempre me perguntei quem sou eu.

Nasci com tudo para ser feliz.

Graças à união de um casal amantíssimo, pessoas boas, que, ao seu primeiro filho deram tudo que tinham. E as oportunidades foram surgindo logo ao nascer.

Tive todo o carinho desde sempre. Não me faltaram os melhores conselhos. Caso não os segui foi por culpa minha. Não deles.

Na escola particular foi onde aprendi as primeiras letras. Por elas me apaixonei.

Tive uma educação esmerada. Fui encaminhado ao ensino superior por influência de ninguém. Eu mesmo escolhi ser doutor.

Na minha querida Lavras aportei bem preparado. Vindo de terras do estrangeiro. Trazia nos lábios além de um cachimbo ideias fresquinhas de inovar a Urologia que trouxe das terras de Espanha.

Fui o pioneiro das cirurgias de próstata via uretral. Na maioria delas me saí relativamente bem.

Não tinha muita paciência naqueles tempos de antanho. Talvez pela sofreguidão dos poucos anos. Pela inexperiência de então.

Com o tempo matraqueando, com a idade chegando, mudei para melhor. Aprendi a gostar do que sou hoje. Mais humano, mais atento aos queixumes dos pacientes.

Agora, quase entrando na casa dos setenta, ainda não me sinto velho. Muito menos cansado. Faço mais do que fazia nos verdes anos. Exercito-me ainda mais. Graças à inspiração que me assalta pelas manhãs madrugadoras aprendi a escrever. Este hábito tornou-se quase uma compulsão.

Hoje acordo antes que o sol brilhe. Permito que uma estrelinha ou outra me acompanhe em minha caminhada curta ao consultório.

É aqui que a procura do que sou me põe numa encruzilhada. Se ainda sou menino. Ou o idoso no qual me transformei.

Por vezes penso que sou doutor. Um médico ainda não aposentado. Tomara este fato não aconteça tão cedo. Amo a profissão que elegi.

Por vezes me imagino escritor. Seria em verdade esta minha faceta que prepondera nos dias de agora seja em verdade o caminho que escolhi para me acompanhar na idade maior que me encontro? Em verdade consigo conciliar as duas atividades. O ser humano, com a capacidade com que foi dotado ao nascer, por uma entidade superior, consegue fazer de tudo um pouco. Muitos fazem de tudo com extrema habilidade. Basta para isso aproximar-se das pessoas, procurar tanto os jovens quanto os de maior idade. Não ficar enclausurado numa carapaça fechada, com um caramujo que não quer mostrar a carantonha feia.

De tempos pra cá ando a procura do meu eu verdadeiro. Se ainda sou jovem ou um ancião menino. Se sou atleta corredor ou simplesmente me iludo correndo na esteira. A procura de endorfina, uma substância que me faz viver em eterna disposição e alegria.

Vivo a procura do meu eu verdadeiro. Tenho dois sobrenomes: Rodarte e Abreu.

Comungo de duas profissões, a de médico e escritor. Creio ser mais fácil ser médico. Escrever é um dom. Da mesma forma que a medicina se tornou minha esposa a literatura a considero amante. Amo as duas atividades intrinsecamente ligadas dentro de mim. Não tenho a pretensão de me separar de nenhuma delas. A não ser que me desligue da vida.

Nos derradeiros anos tenho estado à procura do que sou. Esta indefinição nunca vai acabar.

Tomara. Pois, no dia em que duvidar da minha verdadeira identidade não desejo continuar aqui, neste mundo lindo, andando como sempre faço, sonhando como me apraz sonhar.

A procura de quem somos é uma das oportunidades que a vida nos traz. Quando estiver certo do que sou, aí, penso estar encerrado o meu viver. E o meu prazer de conviver com as múltiplas facetas do que pretendo ser.

O importante, nesta vida que nos fizeram presente, é viver continuamente acreditando em alguma coisa que vale a pena acreditar. E eu creio na procura constante. No viver constante. Certo de que o amanhã vai ser ainda melhor que o hoje foi. Graças à procura de nossa verdadeira identidade.  Quem somos nós? Até hoje, não sei.

 

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